Machado da Graça(*)
Cada vez que a RENAMO, ou alguém a ela ligado, pisa o risco, levanta-se aos ares o coro do “estado de direito”.
As nossas personalidades mais marcantes sentem-se na obrigação de virem a público gritar a sua indignação e afirmar que temos leis e elas devem ser cumpridas. Ao que se segue, normalmente, o apelo para que as autoridades actuem com todo o rigor para punir aqueles que violaram a lei.
Sempre em consonância, os órgãos de informação mais próximos do poder vão de personalidade em personalidade a pedir a sua opinião sobre o momentoso caso e dando-lhe o devido destaque nos seus espaços informativos.
O que estaria tudo muito bem e seria tudo muito de louvar, se não se desse o pormenor de tudo isso só acontecer quando é a RENAMO que pisa o risco.
As coisas são totalmente diferentes quando quem vai contra a lei é a FRELIMO, ou alguém ligado a este partido.
Quando é isso que acontece, o silêncio é tal que se pode ouvir o caminhar de um caracol. Nem um dos tais importantes cidadãos faz o mais pequeno comentário. Nem um dos tais órgãos de informação sai à rua a perguntar, seja a quem for, o que pensa da ilegalidade ou do crime cometido.
Instala-se, por todo o lado, o silêncio cúmplice. Muda-se de assunto se esse vem à conversa. Declara-se que nada se sabe sobre isso. É como se o tal “estado de direito” tivesse acabado de ser abolido e ninguém quisesse voltar a ouvir falar dele.
A frase-chave do nosso Procurador Geral, segundo a qual “ninguém está acima da lei”, desaparece, transformada num fino fumozinho que se perde na atmosfera, e toda a gente descobre, nesse momento, que tem coisas mais importantes com que se preocupar longe dali.
Porque o cumprimento da lei que toda a nossa classe política no poder exige aos outros é coisa que não parece aplicar-se aos próprios.
Será que ouvimos algum dos arautos do “estado de direito” a protestar quando o sr. Albuquerque, na Beira, foi apanhado a cometer uma fraude eleitoral a favor da FRELIMO? Ouvimos alguém?
Quando o próprio Conselho Constitucional referiu irregularidades nas últimas eleições gerais e declarou que elas não deveriam ficar impunes, quem levantou a voz a exigir justiça?
E quando o anterior ministro da Educação foi acusado, numa auditoria externa, de ter desviado dinheiro do Estado para benefício de familiares e amigos, algum dos tais veio exigir que as autoridades actuassem com rigor?
Quando os jornais denunciam, com documentação em apoio, irregularidades grandes na Electricidade de Moçambique ou na Universidade Eduardo Mondlane, onde está o coro dos legalistas?
É costume apresentar a Justiça como sendo cega, para simbolizar que não vê a quem é que está a ser aplicada, sendo igual para todos os cidadãos. Só a nossa, pelo contrário, tem os olhos bem abertos para poder decidir a quem se aplica e a quem não convém incomodar.
E, enquanto as coisas estiverem assim, as defesas do “estado de direito” e os apelos a uma aplicação rigorosa da justiça, quando isso convém ao poder político, perdem totalmente o valor mesmo que, naquele caso específico, tenham razão.
Perdem valor não pelo caso em si, mas pela falta de credibilidade de quem faz esses apelos nuns casos mas se cala, cobarde e cumplicemente, em todos os outros.Não existe estado de direito unilateral. As leis devem ser cumpridas por TODOS.
Se só a uns é exigido o cumprimento das leis e a outros se dá a possibilidade de as ignorar não estamos num estado de direito.Por muito que o coro se esforce por nos convencer do contrário.
(*)Savana
[23-09-2005] [Opinião]
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