Thursday, April 19, 2007

Falta de hábito ao trabalho perpetua fome no país - considera Presidente Armando Guebuza

O PRESIDENTE Armando Guebuza “quebrou o gelo” durante a visita que efectuou à província da Zambézia terminada domingo último, dizendo, sem eufemismos, que o que tem perpetuado a fome e a pobreza em Moçambique é a “falta do hábito pelo trabalho”, que tem feito com que haja muitos moçambicanos que “passam a vida a descansar até se cansarem de descansar”.

Numa série de intervenções que fez tanto na capital, Quelimane, como nalguns dos distritos que escalou de 12 a 17 deste mês, no quadro do périplo que está a fazer pelas 10 províncias moçambicanas, Guebuza quase não se valeu desta vez dos termos com que tradicionalmente tem atacado a apatia laboral no país, como “falta de auto-estima”, ou “falta de mudança de atitude”, dizendo claramente que não há outra explicação “à perpetua fome e pobreza” que ainda afecta mais de metade dos cerca de 20 milhões de moçambicanos, que não seja porque há muitos que ainda não assumiram que a riqueza e o bem-estar nunca cairão do céu, mas sim do trabalho árduo.

“Temos que passar a trabalhar mais e arduamente”, repetiu muitas vezes tanto no comício que orientou no começo desta sua visita no dia 12 em Quelimane, como em todos os outros que dirigiu em vários distritos zambezianos.

Para que não fosse tomado por alguém que está diagnosticando mal as causas que fazem com que mais de 60 porcento dos moçambicanos mal se possam alimentar, e muito menos ter dinheiro com que possam resolver alguns dos problemas básicos como para comprar medicamentos, Guebuza disse “não ser possível que isso aconteça num país abençoado com uma vasta gama de terras férteis, ademais, serpenteadas por vários cursos de água”. Dados estatísticos indicam que apenas quatro (4) porcento dos 39 milhões de hectares com potencial agrícola estão sendo cultivados, o que quer dizer que há mais de 35 milhões onde não se faz nada. Uma das estratégias que Guebuza anunciou como devendo ser adoptada pelo seu Governo para se acabar com a fome no país, será o desencadeamento de uma “Revolução Verde”, havendo já uma equipa de peritos que está a lançar as bases para o seu início.

Para Guebuza, não faz sentido que “os moçambicanos tenham potencialmente tudo no seu país, incluindo terras férteis cruzadas por rios caudalosos, mas ao mesmo tempo sejam pessoas que não têm nada, que vivem na pior das pobrezas”.

Em alguns dos comícios que dirigiu tão concorridos, que até pareciam tratar-se de espectadores de bons jogos de futebol que de pessoas que escutavam um estadista a falar-lhes, Guebuza teve de frear muitas vezes a sua língua, para não ir mais longe e admitir abertamente que o problema da fome em Moçambique é que “há muitos preguiçosos no país”. “Temos que admitir que não trabalhamos muito. Para sairmos da pobreza, temos de aumentar a produção, para que tenhamos mais comida este ano do que tivemos no ano passado, e assim sucessivamente em todos os anos que se seguirem ao anterior”, disse eufemísticamente, evitando assim dizer que há muitos compatriotas seus que tanto nas cidades, como nas zonas rurais, ainda não se entregam ao máximo no trabalho. Ele preferiu chamar-lhes de pessoas que “descansam sem terem feito nada, e que ficam cansados de tanto descansarem”.

TRABALHAR MAIS

“Só aqui na Zambézia, temos grandes áreas de terras férteis próprias para a prática da agricultura. Mesmo aqui à volta de Quelimane, há muitos pântanos que se fossem bem aproveitados, dariam muito arroz para alimentar toda a província e abastecer o resto do país. Mas no lugar de tirarmos máximo proveito destas terras e das águas que os rios nos trazem, passamos a vida a comprar comida dos países vizinhos, como o Malawi, só porque não produzimos no nosso próprio país. E isto faz com que paguemos um preço elevado pelo que compramos, porque temos que pagar o transporte, quando nos podia sair mais barato, se produzíssemos aqui no nosso país, aqui nas proximidades de Quelimane”, disse, olhando para o “mar” de gente que acorrera ao seu comício, no que foi visto como prova de que continua popular, tal como quando ganhou com mais de 65 porcento as eleições gerais de 2004.

Ele insistiu, em tom sério e vigoroso, que “não faz sentido que os moçambicanos continuem a comprar dos países vizinhos o que precisam para comer, quando os seus próprios solos têm a mesma composição química que a dessas nações de quem importam quase tudo”.

“Temos que passar a ter o hábito de trabalhar mais, para que possamos acabar em pouco tempo a fome e a pobreza que ainda nos afecta”, disse, antes de frisar que “apesar de ter a certeza de que estes dois males serão erradicadas no país, tal não pode ser uma missão que leve séculos a concretizar-se, porque o sofrimento que causam não se pode adiar para depois, daí que não se possa igualmente adiar-se a sua eliminação”.

Guebuza deixou claro que a menos que os moçambicanos assumam que o trabalho é o único meio que os libertará da humilhante dependência da ajuda externa, nunca sentirão de facto o sabor da independência que conquistaram com imensuráveis sacrifícios e morte de alguns dos seus melhores irmãos, como Eduardo Mondlane. Fez ver que a conquista da prosperidade era e continua a ser a principal e última meta da luta pela independência, porque esta era e é apenas o meio a partir do qual os moçambicanos passaram a ter todos os direitos que antes lhes eram negados pelo colonialismo, incluindo o de serem ricos.

Fez uma comparação com este feito histórico, dizendo que tal como antes e depois do começo da luta pela independência havia muitos cépticos que não acreditavam que seria possível derrotar-se o colonialismo, há também agora nesta nova batalha contra a pobreza, muitos que não acreditam ser possível acabar-se com este mal que tanto sofrimento e mortes causam.

Ele recordou que do mesmo modo que para se derrotar o colonialismo foi preciso que os moçambicanos acreditassem primeiro que era possível, também agora é imperioso que haja convicção de que é possível erradicar-se a fome e a pobreza.

Para tal, disse que basta que os moçambicanos se interroguem como é que os outros povos conseguiram por fim à fome e à pobreza nos seus países, “para que nós também possamos dizer que somos capazes”.

A produção agrícola deve ser a aposta dos moçambicanosHÁ QUE ENVOLVER TODOS NA LUTA

CONTRA A FOME E POBREZA
Em alguns dos comícios, como o que dirigiu a 14 deste mês em Mopeia, Guebuza foi ao ponto de sugerir que se devia recorrer à persuasão, para que mesmo aqueles que não são apaixonados pelo trabalho, passem a trabalhar também, para que sejam homens e mulheres dignos.

Defendeu a ideia de que todos devem trabalhar, porque sem o trabalho nunca se é livre da pobreza. ´´E como vocês sabem, quando se é pobre, tem-se falta de quase tudo. Não se pode ter comida suficiente. Não se pode ter uma boa casa. O pobre não pode mandar os seus filhos à escola. Não pode ir ao hospital, porque não tem como pagar a consulta, e muito menos comprar os medicamentos. Como podem ver, quando se é pobre, é quase o mesmo que estar condenado a uma morte prematura. Quem não vive bem, a vida deixa de ter-se sentido e sabor, e passa a ser um pesadelo”, argumentou, adiantando que é por isso que ele preconiza que todos os moçambicanos deviam trabalhar arduamente, para que possam viver em paz de espírito.

INCUTIR NAS CRIANÇAS O AMOR AO TRABALHO

Numa das alocuções que fez mais tarde no mesmo dia 14, na sede do distrito de Alto Molócuè, Guebuza apontou como uma das soluções quase maciça apatia pelo trabalho no país, que se passe a ensinar às crianças nas escolas o hábito pelo trabalho. Para tal, ele disse que os currículos escolares devem, de ora em diante, incrementar as praticas do trabalho manual, para que as crianças cresçam sabendo fazer coisas úteis, de modo que quando forem adultas, possam ser homens e mulheres prestáveis à sociedade.

Ele revelou que ao longo desta sua visita à Zambézia, esteve numa escola de Pebane, cujos professores já fazem isso, e que ficou positivamente surpreendido, quando as suas crianças lhe ensinaram como se faz uma enxertia. Disse que essa escola é um verdadeiro “jardim verde” e, que por isso mesmo é conhecida como “Escola Verde”, porque tem muitas árvores de fruta e de sombra.

Guebuza destacou que no dia em que se conseguir que todas as crianças moçambicanas cresçam tendo o hábito de trabalhar, quando forem adultos, não tem dúvida que nessa altura ´´a fome e a pobreza em Moçambique serão um problema do passado, tal como o é o colonialismo há já 32 anos.

Quando podermos ter crianças que terão aprendido ainda tenrinhos o hábito de trabalho antes de chegar à idade adulta, não tardará muito que falaremos do passado da fome e da pobreza aqui no nosso país, tal como hoje falamos do passado colonial, porque os moçambicanos se deram ao máximo na luta contra o colonialismo”.

GUSTAVO MAVIE, da AIM

Fonte: Notícias - 19.09.2007

Tuesday, January 23, 2007

"O que dizem é uma calúnia"

" ...minha expulsão convinha ao Presidente. Portanto, não havia motivos nem elementos ...aquele momento era crucial em que o partido devia se unir e o presidente Dhlakama devia mostrar a sua confiança em mim que já tinha servido o partido durante 20 anos e com grandes feitos. Não faz nenhum sentido que ele que era muito meu amigo e que tinha muita confiança em mim, que num momento perca confiança, porque o seu adversário disse coisas pouco abonatórias em relação ao seu ao seu amigo", Raul Domingos reagindo a acusação de Dhlakama de traidor, em entrevista ao mediaFAX.

Maputo - O antigo negociador- Chefe da Renamo no acordo Geral de Paz de Roma, Raul Domingos respondeu à sua expulsão como receio do líder, Afonso Dhlakama de "perder a liderança" daquela organização política. Dhlakama conserva a presidência da Renamo, desde a morte de André Matsangaísse, na década 80, nas matas do centro de Moçambique.
Numa entrevista ao mediaFAX, Dhlakama explicou as razões de fundo que levaram a expulsão de Domingos, que foi igualmente o seu principal conselheiro político, afirmando que ele teria traído a Renamo, pouco tempo depois das eleições de 1999, as mais disputadas de sempre entre a Frelimo e a Renamo.
"O que dizem é uma calúnia. É uma intriga política porque passam seis anos mas não há nenhum documento que o senhor Dhlakama pode apresentar para provar o que diz.", refutou Domingos as declarações de Dhlakma sobre a sua traição - ter-se entretido com a Frelimo- quando a Renamo exigia os cargos de Governadores para as províncias que teria saído vitoriosa, nas eleições Gerais de 1999, marcadas por uma forte contestação.
Nesta primeira parte da entrevista conduzida por Fernando Mbanze, Domingos esclarece o seu afastamento e outros pontos da sua carreira política na Renamo.
mediaFAX - Quais as reais causas que terão ditado, afinal a sua expulsão da Renamo?
Raul Domingos (RD) - Bom, é muito difícil dizer as reais causas que terão ditado a minha expulsão porque nem a Renamo sabe dizer as reais causas da minha expulsão. O que dizem é uma calúnia. É uma intriga política porque passam seis anos, mas não há nenhum documento que o senhor Dhlakama pode apresentar para provar o que diz. Na entrevista cedida ao mediaFAX ele diz que eu era uma pessoa mais confiada...Mas, eu duvido muito dessa confiança e amizade porque no momento em que ele devia mostrar-me amizade foi exactamente o momento em que ele mostrou-me as costas.
mediaFAX - Qual momento?
RD - O momento em que o Presidente Chissano apareceu em público a fazer acusações contra mim. Nessa altura o partido e o próprio presidente que dizia ser muito confidente e amigo e que devia aparecer em minha defesa para mostrar e provar que era meu amigo, não fez isso. Mostrou que tinha mais confiança com o adversário (Chissano). Acreditou naquilo que o Presidente Chissano e não naquilo que eu disse. Moveu-se todo um conjunto de acções que passou por uma pseudo reunião do Conselho Nacional da Renamo (pseudo porque normalmente as reuniões do Conselho Nacional são dirigidos pelo presidente do partido e esta reunião que tinha um carácter muito importante e muito sério porque tinha a ver com expulsão de um elemento que vinha desempenhando
um papel muito importante dentro do partido ele em vez de se fazer presente na reunião refugia-se a uma justificação pouco convincente de que ia viajar para Europa. Entretanto, toda a gente sabe e se pode provar que (basta pegar no passaporte dele) para ver se naquela altura ele teria viajado.
mediaFAX - Quem teria dirigido esse encontro?
RD- O Sr Ossufo Momad que como prémio hoje é o Secretário-Geral do partido. mediaFAX - Então a sua expulsão convinha ao Presidente.. ?.
RD - Pois, fica claro que a minha expulsão convinha ao Presidente. Portanto, não havia motivos nem elementos. Como digo, aquele momento era crucial em que o partido devia se unir e o presidente Dhlakama devia mostrar a sua confiança em mim que já tinha servido o partido durante 20 anos e com grandes feitos. Não faz nenhum sentido que ele que era muito meu amigo e que tinha muita confiança em mim, que num momento perca confiança porque o seu adversário disse coisas pouco abonatórias em relação ao seu amigo.
mediaFAX - Mas depois de ter observado esse afastamento, o senhor teria mostrado alguma preocupação ao senhor Afonso Dhlakama?
RD - Para o seu conhecimento já antes de todos esses cenários, já havia sinais de pouca confiança comigo. Primeiro no fim do primeiro mandato da legislatura, poucas vezes era recebido em audiência pelo presidente na minha qualidade como chefe de bancada. Termina o mandato e vamos as eleições, renovo o mandato e sou afastado da chefia da bancada. Esse é outro sinal de que algo estava mau, exactamente num momento em que a Renamo precisava de consolidar a experiência e nós vimos isso em relação ao nosso adversário, mas do lado da Renamo não foi isso que aconteceu. Afasta-se as pessoas que
já tinham alguma experiência e que deviam consolidar no segundo mandato. Essas são afastadas e colocam pessoas que não tinham nenhuma experiência parlamentar.
mediaFAX - Mas o Sr manifestou alguma preocupação?
RD - Não. Nem precisava de manifestar. Fui assistindo com alguma apreensão do que estava acontecer mas o partido tem a sua liderança e nos partidos existe uma disciplina partidária e eu em termos de disciplina partidária aceitei, mas notava que algo estava acontecer e que precisava de melhor esclarecimento.
Então quando aconteceu este episódio e ele (em vez de ficar do meu lado fica ao lado do adversário) aí percebi que efectivamente o presidente tinha perdido confiança em mim. Então a leitura que eu faço é que isto tem a ver com o protagonismo ganho por mim ao longo do meu mandato em que eu chefiei a bancada parlamentar.
mediaFAX - Quer dizer que ele via no senhor um adversário para a chefia da Renamo?
RD - Ele via em mim uma sombra. Em nenhum momento eu manifestei interesse de candidatar-me para o cargo de presidente do partido, mas ele via em mim uma sombra e por causa disso moveu toda esta operação que culmina com o meu afastamento de uma forma surpreendente para todos.
mediaFAX - quer dizer que ele não aceita adversário dentro do partido?
RD - Agora toda a gente está a perceber (passados seis anos) que ele não aceita adversários no partido. Até que já se fala de outros nomes que podem ter a mesma sorte que Raul Domingos. É assim que toda a gente no partido percebe que Raul Domingos não é traidor. Raul Domingos foi traído pelo próprio líder do partido porque não aceita que haja pessoas que mostrem certo protagonismo dentro do partido. Nota: Esta entrevista continua na nossa próxima edição (Fernando Mbanze)
MEDIA FAX – 19.01.2007

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Raul Domingos um caso encerrado?

"Eu não estou em guerra com a Renamo e nem com Dhlakama", Raúl Domingos ao mediaFAX.
Maputo - O antigo negociador- chefe da Renamo e actualmente líder do PDD, (partido da paz, Democracia e Desenvolvimento), Raúl Domingos pôs de parte qualquer possibilidade do seu regresso ao maior partido da oposição em Moçambique.
" Não sou eu que digo é o líder da Renamo que o diz. E também da minha parte é que eu não estou preocupado em voltar para a Renamo", esclareceu Domingos, nesta última parte da entrevista ao mediaFAX. A entrevista foi conduzida por Fernando Mbanze.
Dhlakama disse em entrevista ao mediaFAX que ainda existia uma pequena janela aberta de reconciliação com Domingos, mas que a readmissão não dependia dele, mas do partido no seu todo. Domingos preside igualmente o Instituto para Democracia, IPADE e lidera também um fórum de 20 pequenos partidos reunidos na frente multipartidária. Ele foi uma das personalidades da oposição convidadas para um almoço com o Presidente Guebuza, logo após o novo inquilino da Ponta Vermelha tomar posse
em Fevereiro de 2005.
mediaFAX - Ao longo destes seis anos, alguma vez teria manifestado interesse numa possível reconciliação?
RD - Tenho ouvido de vários elementos e quadros da Renamo que manifestava-se esse interesse do meu regresso, mas algumas dessas pessoas já lhes tenho remetido a esse pronunciamento de Dhlakama no mediaFAX, pois parece estar clara a intenção do senhor Dhlakama. É que o que eu percebi, há vários casos que podem ser estudados (caso a caso) mas, não o caso do Raul Domingos. Portanto, Raul Domingos é um caso encerrado. Não sou eu que digo é o líder da Renamo que o diz. E também da minha parte é que eu não estou preocupado em voltar para a Renamo.
mediaFAX - Mas em algum momento, alguma parte teria manifestado algum interesse?
RD - Eu não estou em guerra com a Renamo e nem com Dhlakama.
mediaFAX - O que isso quer dizer concretamente?
RD - Eu nunca manifestei interesse nem a Renamo nunca me convidou a regressar.
mediaFAX - Alguma hipótese?
RD - Não coloco nenhuma hipótese porque enquanto o líder da Renamo continuar a ser o senhor Afonso Dhlakama, as declarações que fez ao mediaFAX são peremptórios. Caso Raul Domingos é um caso encerrado.
mediaFAX - Dhlakama diz que a sua carreira está condenada ao fracasso, desde que saiu da Renamo. Quer comentar?
RD - A minha carreira política depende dele? Agora esse pronunciamento...bom, é o que ele diz mas o que eu acredito é se é que a minha carreira política não depende do senhor Afonso Dhlakama. A minha carreira depende de mim mesmo e, enquanto eu quiser seguir a carreira política, tenho as portas abertas do ponto de vista Constitucional, do ponto de vista legal. Assim posso fazer política sempre que eu quiser nesse país.
mediaFAX - Penso que ele quis referir-se ao sucesso na carreira...
RD - Mais uma vez digo: não dependo dele.
mediaFAX - Ele diz que o senhor e o seu partido só existem graças ao apoio da Frelimo. É verdade?
RD - Esse é que é o problema da Renamo. A Renamo está sempre a ver fantasmas. Portanto em todos os males que sucedem, a Renamo não consegue fazer uma introspecção e encontrar as falhas dentro. Sempre encontra as falhas fora. Por isso que em tudo que vai mal é a Frelimo a culpada. E hoje já também tudo que lhes vai mal é o Partido para a Paz Democracia e Desenvolvimento (PDD). Portanto, eu penso que esta é uma forma infeliz de analisar e lidar com os problemas que nos ocorrem. Agora falando da Frelimo na minha vida. Eu sinto-me feliz de estar no PDD onde fui eleito presidente. Com todas as dificuldades que estamos a passar, tal como acontece com outros partidos sem assento parlamentar, nunca assediamos e nunca tentamos estabelecer acordos com a Frelimo. Portanto, continuo tão longe da Frelimo como estava quando estava na Renamo.
mediaFAX - Afonso Dhlakama diz que o senhor andou pelas províncias a prometer dinheiro a antigos guerrilheiros da Renamo no sentido de votar no PDD e, neste momento, o senhor até tem medo de viajar pelas províncias...
RD - Ele já disse isso e vai continuar a dizer. Mas toda gente viu as últimas eleições, notou que as populações me acolheram com euforia e assim vai continuar. Eu acredito que se alguém tem problemas comigo não é a Renamo nem as populações que apoiaram a Renamo durante a guerra. Quem tem problemas comigo é o líder. Mas, eu não estou preocupado com isso, pois a verdade é que eu tenho o meu partido onde fui eleito com 93 por cento e sinto me bem e acredito que sou capaz e tenho largas possibilidade de progredir de 10.6 para números maiores.
mediaFAX - Se nalgum momento a Renamo pedir-lhe desculpas e aceitar regressar, estará disposto?
RD - Eu tenho meu partido. (Fernando Mbanze)

MEDIA FAX – 22.01.2007

Thursday, January 04, 2007

Entrevista com Jacinto Veloso

Algumas aterragens
Por Machado da Graça
O General Jacinto Veloso, no seu livro, contou-nos as suas memórias, sobrevoadas em voo rasante. A nossa proposta, na entrevista que se segue, é seguir essa mesma rota mas ir fazendo algumas aterragens em alguns acontecimentos e momentos.

Começaríamos com a morte de Eduardo Mondlane. O livro fala de antagonismo no interior da Frelimo e afirma que desse antagonismo resultou a morte de Mondlane. Ora a PIDE, através do seu agente Casimiro Monteiro, confessou a autoria do crime.
Isso é uma matéria que eu não acompanhei pessoalmente. Não participei na investigação nem nada disso. Uma análise minha a posteriore faz-me concluir que... uma acção dentro da Frelimo... claro sempre se pode dizer que é dentro da Frelimo, mas, conhecendo o sistema de actuação dos serviços secretos, é evidente que, para fazer uma acção num lugar qualquer, o ideal para uns serviços secretos é terem os seus agentes colocados. De outra maneira não vão muito longe.
Mas o pacote não passou pelos correios da Tanzânia, não tinha selos, carimbo?
Não sei explicar, não sei dizer exactamente, mas a minha convicção é que não passou. Alguém colocou o pacote junto com o correio. Um colaborador da acção colocou. Vamos dizer que era da Frelimo? ...Sim, era, mas não foi uma acção da Frelimo. Havia antagonismo entre duas facções, uma delas bastante influenciada pelo sistema colonial. Com uma solução diferente da outra.
A estranheza parte do facto de a PIDE ter confessado o crime e o sr. General o apresentar como resultado de um antagonismo interno.
Eu estou-me a situar na época. A PIDE aparece muito mais tarde. O processo de investigação, que foi conduzido por um tanzaniano, nessa época, naturalmente não disse que há um sujeito, Casimiro Monteiro, que... isso já é recente. Ele confirma que preparou aquilo e, portanto, é uma acção da PIDE.

Dezembro de 1975

O senhor General fala, muito em voo rasante, dos acontecimentos de Dezembro de 1975. O que foi aquilo, sr. General?
Aquilo é aquilo que eu digo no livro. Não sei mais do que aquilo. Só sei que foi organizado pelos sul-africanos, isso sai claro na investigação, porque eu é que dirigi essa investigação, mas não temos mais informação. É um bocado estranho, mas é isso. Pelo menos eu não tenho.
Ao fim destes anos todos continua a não se saber nada? Quem eram? Como foi resolvido o problema?
O problema foi resolvido muito simplesmente, contactou-se com as pessoas que estavam mais ou menos a liderar e elas próprias estavam convencidas de alguma coisa, que não nos explicaram muito bem, que estava a acontecer contra eles e então vieram reagir. Depois constataram, pelo diálogo, que não havia nada e regressaram ao quartel.
Mas o que é que eles queriam? O que é que exigiam, se é que exigiam alguma coisa?
Não exigiam nada. Queriam saber o que é que estava a acontecer, a ser preparado contra eles. Talvez pensassem que iam ser abandonados. Cumpriram a sua missão e agora já não eram precisos, etc.. Foi esse tipo de raciocínio.
Se bem se recorda, começava alguém a disparar num ponto qualquer da cidade e tudo quanto era guerrilheiro desatava a disparar para o ar, incluindo os defensores do NOTÍCIAS, onde eu trabalhava na altura.
Eram guerrilheiros que vinham do mato e tinham que se manifestar. Dizer: estou aqui. O que é que há? Disparo se for preciso. Era para mostrar que estamos aqui, estamos armados, temos munições, estão a ouvir? Não havia polícia que pudesse controlar uma coisa daquelas.
Resolveu-se pelo diálogo?
Resolveu-se pelo diálogo, muito facilmente. Alguns encontrei mais tarde, continuaram a trabalhar nas forças armadas. Houve umas detenções, mas foram logo libertados. Não houve nenhum problema. É daqueles assuntos que não foi bem explicado à população.
Operação Zero, introdução do Metical. Toda a gente me diz que foi uma operação feita impecavelmente, que não falhou nada, etc.. Mas... era precisa?
Era precisa porque havia uma massa de circulação de escudos coloniais que estava exactamente nas mãos dos indivíduos que pretendiam desestabilizar o país. Portanto, a Segurança do Estado tinha que tomar isso em consideração e fazer uma operação que colhesse de absoluta surpresa os detentores dessas enormes massas de dinheiro que financiavam operações contra o Estado, mas não só. Pressões comerciais e financeiras, altamente lesivas dos interesses do Estado. Portanto, não se podia dizer: agora vamos trocar o dinheiro, senão haviam de se desfazer daquilo de formas diversas e era impossível neutralizar aquela massa financeira. Isso aí não há a menor dúvida. Eu, pelo menos, não tenho.
Há um nome que é citado mais do que uma vez no seu livro: Fernandes Baptista. Conheci-o pessoalmente em casa de amigos comuns. Depois desapareceu e, mais tarde, surgiu a notícia do costume de que tinha sido morto ao tentar fugir. O que aconteceu, de facto?
Não tenho informação, realmente. Tenho a mesma informação, que ele teria fugido para o Malawi e que, no processo de fuga, resistindo a alguma detenção, teria sido abatido. Não tenho informação concreta sobre a matéria. Ele ia a minha casa e eu também ia a casa dele.

Parecia uma pessoa de nível alto...
Por isso foi escolhido para ser uma das cinco pessoas que iniciaram a Segurança do Estado, pelo próprio Presidente Samora.
A certa altura o sr. General diz que os militares sul-africanos, a Inteligência Militar, tinham apoiado Afonso Dhlakama em disputa com três outros candidatos à chefia da Renamo. Sabe-se quem eram esses candidatos?
Não procurei aprofundar isso e, portanto, preferia não mencionar.
E porquê a escolha de Dhlakama? Qual foi o critério?
Talvez fosse a pessoa com mais qualidades e com mais entendimento da situação, do ponto de vista sul-africano, que poderia liderar aquele movimento, a chamada “Resistência”. A que dava mais garantias para a continuidade de um movimento de oposição à Frelimo.
Há nomes que aparecem permanentemente quando se fala do relacionamento entre Moçambique e a África do Sul do apartheid, o general van der Westhuizen, o general van Tonder e van Niekerk, que começa por aparecer como capitão, depois como coronel e, por fim, como brigadeiro. Que tipo de gente é esta? Cumpriam apenas ordens ou eram pessoas que estavam...
Eu acho que, essencialmente, eram pessoas que cumpriam ordens, como os militares em geral. Os militares, o pessoal da segurança, cumprem ordens. E exige-se uma grande disciplina, porque têm que cumprir. Como sabe, na área militar cumpre primeiro e reclama depois. Os civis, pelo contrário, reclamam logo, antes de cumprir. Esta é uma grande diferença. Como tal, eles cumpriram ordens, para defender o sistema. Como sabe eles eram membros importantes da Military Inteligence, que era, depois da redução da importância da Boss, o serviço secreto principal de defesa do Estado sul-africano na questão do apartheid. Van Niekerk era o responsável específico por Moçambique...
Esse nome começa a aparecer, ainda antes da Independência, como assessor das tropas portuguesas...
Não tinha ideia disso... Então já vem de trás...
Pelo que me dizem ele até fala português e alguma língua moçambicana...
Está-me a dar uma notícia. Uma coisa nova, mas o facto é que ele é que é a pessoa que tem que pensar nas operações que tem que fazer, e propor depois aos seus superiores, é claro. Como apoiar a oposição, como agir em certos momentos... as próprias forças sul-africanas tinham que agir, para resolver certos problemas, questões pontuais. Enfim, era isso a organização de um serviço secreto. Uma vez terminada a razão que os leva a fazer isso eles tornam-se normais militares e, normalmente, não guardam rancores ou ódios.

Acordo de Nkomati

Nkomati. Há quem diga que Moçambique estava com medo de um ataque nuclear dos sul-africanos. O sr. General partilha essa ideia?
Não. Um ataque nuclear seria muito difícil. Os sul-africanos usaram isso nalgumas conversas particulares, não na mesa das negociações. Que eles efectivamente dispunham da arma nuclear, mas isso era usado em privado, vamos lá dizer, como uma maneira de dissuadir, de exercer pressão, como quem diz: “Vocês são muito pequeninos. Nós até temos a arma nuclear”. Mas eu nunca acreditei que eles pudessem usar a arma nuclear, porque isso tornava-se um problema de tal ordem de repercussão internacional, que a África do Sul, que dizia que estava a defender os interesses do Ocidente nesta região, perdia toda essa razão. Deixava de ter o apoio. Teria que ser condenada, o que não convinha a ninguém, nem ao Ocidente nem à própria África do Sul, portanto isso estava fora de questão. O que estava na agenda era um ataque militar, com meios clássicos. Isso não há dúvida. Agora um ataque nuclear, não, não partilho dessa opinião. Perdiam credibilidade, etc.. E os serviços de segurança, as diplomacias desses países não dariam seguimento a uma coisa dessas. Isso seria um desastre.
Um pequeno pormenor mais ou menos técnico: o sr General diz que o Acordo de Nkomati foi assinado na carruagem de comboio, mas eu fiquei com a memória de que foi assinado naquele palanque, perante o público...
Será? Está-me a colocar uma questão... Pelo menos foi rubricado na carruagem. Eu rubriquei com o Pik Botha na carruagem... Mas os Presidentes sentaram-se lá. Acho que assinaram. Ali foi a apresentação pública...
Tenho a recordação que eles se sentaram um ao lado do outro e assinaram qualquer coisa.
Devem ter assinado qualquer coisa, simbolicamente. Porque estiveram na carruagem, com a fronteira passando pelo meio da mesa... Mas agora confundiu-me um bocado... É possível que tenham concluído na cerimónia pública, mas tudo foi terminado na carruagem.
Mais adiante o sr. General diz: “De resto o ANC nunca teve bases militares em Moçambique”. Ora base, no sentido de quartel, eventualmente não teve, mas tinha bastante actividade militar...
Base, naquele sentido de que tem que ter forças, tem que ter quartéis, tem treino militar, isso é uma base. Um lugar de apoio não é uma base.
Mas, na Matola, eles fizeram túneis e ensaiavam sabotagens...
Mas isso é treino pontual. Bases era o que eles tinham em Angola. No sentido de quartel e não de pontos de apoio logístico... Eles tinham actividade militar, não há dúvida, e era a Segurança que lhes dava esse apoio. Depois de Nkomati eu já lá não estava, mas a cooperação continuou. A dado momento o sr. General diz que, em 1983, quando Prakach Ratilal deu a conhecer aos soviéticos e aos alemães do Leste a nossa intenção de aderir ao Banco Mundial, eles classificaram-nos de traidores e indeferiram a entrada de Moçambique no COMECON. Na minha memória as coisas passam-se ao contrário. Primeiro tentámos entrar no COMECON e só quando nos fecharam a porta é que nos virámos para o Banco Mundial. Havia a questão de sermos um “país socialista” ou apenas “de orientação socialista” .
Eles acabaram por nos dizer “não”. Aquilo que eu sei é que eles disseram que aquilo era um processo, levava tempo, sair dessa “orientação socialista” para uma fase mais socialista. Era essa discussão. E nessa reunião, em Budapeste ou Bucareste, o Governador do Banco disse: “Bom, nós estamos num processo de adesão”. E aí é que a resposta foi: “Então está fora de questão que possam entrar no COMECON”. Aquilo foi decisivo. Nessa época já existia a ideia de romper o cerco, de que era preciso mudar. Já estavam em curso acções desde 81, 82, através de algumas personalidades, europeias, americanas, para nos aproximar... Como é que se faz isso para aderir ao Banco Mundial, depois de tanto tempo sem nos termos manifestado.
O processo estava a andar e isso motivou o COMECON a dizer “não”. Se calhar tiveram um bom pretexto, porque não queriam Moçambique lá. Era muito subdesenvolvido e havia de consumir muitos recursos para ser um parceiro à altura dos outros, etc.. Penso que este era o raciocínio.

Lutas internas na Frelimo
Na página 208 o sr. General faz uma citação de Samora em que ele terá dito: “ Se eu morrer, o que vai ser de vocês? Acho que vão todos matar-se uns aos outros!”. Era esta a ideia que Samora tinha da Frelimo naquele momento?
Talvez não da Frelimo. Uma ideia que ele poderia ter algum receio que houvesse divisões internas que pudessem levar... matar-se uns aos outros é uma maneira de dizer... que pudessem levar a conflitos tais que poderiam desencadear um problema interno, uma guerra, sei lá o quê. Não sei, mas conflitos sérios que poderiam prejudicar a própria FRELIMO.
Uma pessoa que era o Presidente dessa Frelimo. Que se imagina que a conhecia bastante bem, ter essa visão...
Também pode ter sido dito tipo provocativo. Para dizer: “Qual é a tua opinião sobre isso?” Para provocar a resposta. De alguma maneira exagerando a situação. Penso que era este, aliás, o objectivo. Porque não teve consequências. Isso resolveu-se nos 5 minutos que se seguiram.
Mais adiante o sr. General refere a sua resistência de mais de 16 meses em agir contra a rede da CIA instalada em Moçambique. Porquê essa resistência, sr. General, se, como se diz, a CIA apoiou os sul-africanos no ataque à Matola?
A resistência de 16 meses é que, como Segurança do Estado, se eu já conheço quem é a rede de um dos principais adversários, se eu já conheço quem são, onde é que estão, onde é que moram, o que é que fazem, se eu destruir esta rede, se a neutralizar, deixo de saber. Porque a nova rede que vai ser, obrigatoriamente, pela natureza das missões, das funções do próprio serviço secreto americano, neste caso a CIA, vai-se reconstituir de uma nova maneira, em outros lugares. Portanto era preferível acompanhar e observar os agentes da CIA que estavam já presentes, sem eles saberem que nós os conhecíamos, do que neutralizar e eles virem a criar, como criaram, logo a seguir e já nos escapou completamente a operação da CIA.
Mesmo que isso implique riscos de que as informações deles ponham em causa a segurança do país?
Dentro desse processo, assim como o adversário tenta recrutar ou ganhar agentes dentro do Estado moçambicano, ou do serviço de segurança moçambicano, como aconteceu, também os serviços de segurança, os serviços secretos moçambicanos ganham agentes no outro lado. Com menos capacidades financeiras e de meios, etc., mas também era possível conhecer melhor, até porque havia alguns moçambicanos que estavam recrutados, alguns que a gente acompanhava, outros que não acompanhava, e eram vários, podíamos saber qual era o interesse do serviço secreto americano. Eu conto dois ou três casos, mas havia muito mais: quem eram os oficiais favoráveis a Moscovo, saber se já tinham chegado os Mig 16 a Nacala, esse tipo de coisas. Então nós íamos sabendo qual era o interesse deles. Uma questão importante, que chegámos a descobrir a tempo, era se Moçambique não estaria a preparar com Cuba uma operação idêntica à operação que foi organizada em Angola para parar os sul-africanos. Portanto, com tudo isto, se eu neutralizar aquela rede que eu já conheço, fico com muito menos informação e isso não permite tomar medidas preventivas.
Na pág. 259, o sr. General cita Mondlane quando ele diz que “Nós somos muito poucos para um território tão vasto. Para desenvolvermos o nosso país precisamos no mínimo de 40 ou mesmo 60 milhões de habitantes”. Porque é que a Frelimo seguiu uma política completamente oposta, de se fechar...
Eu penso que Mondlane, ao dizer isso... ele estava a explicar que não vale a pena perder energia, haver dissidências internas, porque eu sou de Niassa, ou de Cabo Delgado, portanto ir puxando à sua província, ou ao seu distrito, ou à sua etnia,
Mas ele aqui, concretamente, fala de pessoas de fora do país: “ Após a independência teremos que convidar homens e mulheres de outros países e de outros continentes para connosco trabalharem no desenvolvimento do país”.
Exactamente. Estou a tentar explicar qual era a motivação. Então ele explicava que não vale a pena. Nós já somos poucos, não vale a pena dividirmo-nos. Naquela altura falava-se de Cabo Delgado, Niassa e um bocado de Tete. Sobretudo eram aqui as grandes discussões. E dentro havia pessoal de toda a parte, do Sul, do Centro, etc.. Portanto, ele pretendia dizer que não vale a pena criarmos querelas internas quando somos muito poucos e, se calhar, temos que recorrer a outros, trazer mais pessoas de fora. O fundamental, daquilo que eu me recordo, era convencer as diversas pessoas, dirigentes e não dirigentes, de que é preciso defender Moçambique como um todo, e não a minha região ou a minha província, porque somos poucos e, provavelmente, temos que ir buscar outros. Isto significa também uma certa tolerância para viver em conjunto.
Vamos agora a um assunto um bocadinho menos sério. Há um episódio que o sr. General conta no livro e que o próprio livro desmente. É o episódio das patilhas. As patilhas que embranqueceram devido à tensão. Ora há no livro várias fotografias posteriores e esse episódio, em que as suas patilhas estão perfeitamente escuras.
(Dá umas gargalhadas) – Parecem! Parecem! Mas realmente eram muito escuras e, quando vi ao espelho, deste lado aqui tinha umas manchas brancas, de um dia para o outro, nesse momento estava sob pressão psicológica. Até pensava: “Isto pode acontecer qualquer coisa” . Só o facto de falharmos a missão que tínhamos podia ser muito frustrante, mas as fotos são enganosas.
São várias fotos que mostram umas patilhas perfeitamente escuras...
Devia ter dito para retocarem (risos)
Sr. General, ao longo do livro, são diversas vezes citados nomes como o de Urias Simango, Joana Simeão, Lázaro Kavandame, Porque é que essas pessoas tiveram que ser mortas, contrariando, de certa maneira, a conhecida política de clemência da Frelimo?
Essa é uma matéria extremamente delicada. Eu não a domino suficientemente para me pronunciar sobre ela. Portanto esta é realmente uma resposta, não é uma fuga à pergunta. Não domino a matéria. Mas a política de clemência era uma política em relação aos soldados portugueses. Alguns soldados portugueses, feridos, foram tratados. Alguns até viveram com a Frelimo vário tempo até se encontrar aquela ideia de ver se algum país os queria receber.
Mas a guerrilha em si própria... eu também não domino muito bem esta matéria... a guerrilha tinha, em qualquer parte do mundo onde houve guerrilhas, um sistema de justiça muito rígido. A disciplina da guerrilha e os julgamentos da guerrilha, e o julgamento daquilo a que eles chamaram “os traidores” em todas estas guerrilhas do mundo, tem um tratamento que não é, exactamente, do Estado de Direito. Mas, como lhe digo, isto são observações. Sobre essa matéria concreta não tenho... não domino a matéria e prefiro não me pronunciar. Apenas com estes comentários, que são muito periféricos. Talvez ajudem algumas pessoas a entender. Se calhar houve outras razões.

Conflito Leste-Oeste
Agora gostava de ir àquilo que considero a questão de fundo do livro. O sr. General, ao longo do livro todo, coloca os problemas que fomos atravessando, no conflito Leste-Oeste. E diria, se for dizer mal o sr. General me irá emendar, que coloca grande parte dos problemas que o país teve numa excessiva colagem à União Soviética, ao longo dos primeiros anos da Independência. Está correcta esta interpretação?
Parcialmente correcta. O que é importante dizer é que os aspectos negativos daquilo a que está a chamar “colagem à União Soviética” causaram realmente muitos prejuízos, mas também teve aspectos positivos, que foram importantíssimos também. Portanto, quando eu digo que o aspecto negativo causou prejuízos, quero com isso significar que, ainda que nós, os dirigentes, pensássemos que era a melhor coisa que estávamos a fazer... na altura estávamos todos de acordo... com o tempo conclui-se que, afinal, poderia ter sido diferente. Está claro que a política externa da União Soviética, na altura, era essencialmente proposta, estudada, pelo serviço secreto soviético. Nos países do terceiro mundo em geral, mas sobretudo aqui na África Austral e sobretudo Angola e Moçambique, é que davam as indicações de como é que a política deveria ser feita no interesse da defesa dos interesses da União Soviética.
Portanto, não há dúvida de que muitas das acções que a União Soviética fez em Moçambique, fê-lo na defesa da sua posição na confrontação com os Estados Unidos da América. Em muitos casos coincidiu com o interesse moçambicano, nacional, mas noutros não, foi prejudicial. Por isso eu digo que parcialmente está certo, mas não totalmente.
O afastarmo-nos da União Soviética e aproximarmo-nos do Ocidente trouxe-nos para esta situação em que estamos agora, de capitalismo aberto. Seria este o interesse nacional?
Não, eu acho que não. O interesse nacional, na minha perspectiva, como membro da Frelimo, e como político da Frelimo, é produzir riqueza, sim senhor, mas é resolver os problemas sociais e económicos do país, do povo moçambicano. Este é que é o interesse. E este é o interesse que, desde o início, existe. Só que pensámos que íamos por um certo caminho e afinal tivemos que ir por um outro caminho. Que é este caminho do capitalismo. Hoje a situação é um bocado complicada, um capitalismo um bocado selvagem, mas é uma fase. As coisas têm que evoluir para situações... não sei que país é que podemos indicar como possível modelo... olha-se para os nórdicos, mas também já estão a mudar, a Suécia já não é o que era... Mas o facto é que no mundo já não existe aquele modelo de socialismo científico. Nem em Cuba, apesar de se falar na resistência dos cubanos, ou do Partido Comunista Cubano, até porque a coisa já está bastante diluída.
Aqui há dias contaram-me uma anedota que se passa na actualidade. É uma conversa entre dois russos. Um deles diz: “O pior não foi os soviéticos terem-nos mentido sobre o que era o comunismo.” . O outro respondeu: “Então o que é que foi pior do que isso?” . O pior, disse o amigo “é que agora descobrimos que eles nos contaram a verdade sobre o que é o capitalismo”.
É isso. Agora temos que encontrar o meio termo, de maneira que seja um capitalismo que não seja muito explorador e seja mais equitativo na distribuição. Se não conseguir por um meio natural, por uma evolução natural, ou com um Estado suficientemente forte que obrigue a caminhar nesse sentido. Isso é inevitável.
Dentro dessa linha de raciocínio o sr. General vai até ao ponto de dar a entender a participação da União Soviética no desastre de Mbuzini. Se me permite, isso não é forçar um bocadinho a nota?
Bom, eu não falo da União Soviética. O que eu digo é que alguém... é uma pista, também não é uma afirmação... é uma hipótese de trabalho... alguma coisa aconteceu na cabine do avião que realmente, conjugado com o VOR que desviou a rota, que levou o comandante a iniciar a descida, como se estivesse a ir para Maputo.
Portanto, este indivíduo... se é que existiu, eu não sei se existiu... que pôde fazer alguma coisa na cabine, só podia ser um indivíduo que conhecesse muito bem a tecnologia do avião e toda a electrónica própria. Portanto é aqui que admito como uma pista este indivíduo que andou lá a visitar o avião, aparentemente um russo, ou coisa do género, que andou lá a falar com os outros, que pode ter preparado qualquer coisa que, no momento próprio, convenceu o comandante. Não compreendi até hoje porque é que o radar estava desligado. Era um radar bem moderno, a cores e tudo. Ou estava avariado, mas se estava avariado não deviam ter voado. Era razão para dizer: “Não podemos ir”. A não ser que o próprio Presidente Samora dissesse: “Não, isto é uma coisa de interesse vital e temos que ir!”. Então isso transformava uma missão diplomática numa missão militar e aí a segurança passa para segundo lugar. A missão é que é a primeira.
Então que tipo de indivíduo era este? Tem que ser um tipo de indivíduo que sabe, conhece a tecnologia e provavelmente ou fez qualquer coisa lá, deixou um aparelho, que realmente deu a indicação de que estava em Maputo. Não quero dizer a União Soviética. Pode ser um fulano dos sul-africanos que foi contratado para o efeito.
Portanto é este o sentido. Se ficou que foi a União Soviética, eu penso que não está bem, não está claro.
Mas há o mecânico russo do avião, que sobrevive, e que, ao que me dizem, acabou por ser assassinado, na Rússia, por um africano...
Essa parte eu não sei. Não tenho informação. Isto é uma especulação. Eu, se fosse um investigador, ia procurar encontrar o que é que, realmente, poderia ter acontecido para que o piloto se convencesse de que estava a descer para Maputo. A tripulação toda, o que é um bocado estranho.
Mas diz-se também que aqui, na torre de Maputo, teria sido desligado o equipamento de apoio ao voo.
Isso nunca ouvi. Na altura falou-se com o controlador, logo no dia seguinte. Não apareceu essa informação. Acho que não é correcta.
Muito obrigado, sr. General.
SAVANA – 29.12.2006

O General Jacinto Veloso concedeu uma entrevista ao Savana, a-propósito do lançamento do seu livro Memórias em Voo Rasante.

COMENTÁRIO
Por Machado da Graça
O General Jacinto Veloso concedeu uma entrevista ao Savana, a-propósito do lançamento do seu livro Memórias em Voo Rasante.
Uma entrevista em que falou de umas coisas e disse, abertamente, que não estava suficientemente informado sobre outras para delas poder falar.
Na conversa informal que se seguiu à entrevista Jacinto Veloso lembrou uma norma dos serviços secretos que é, se bem recordo as suas palavras, “Nunca mentir mas também nunca contar a verdade toda”. E eu diria que essa norma terá estado presente ao longo de toda a entrevista. Estou pessoalmente convencido de que não me mentiu mas também não tenho dúvidas de que, sobre alguns assuntos, sabia muito mais do que aquilo que revelou.
De qualquer forma este livro e o que nos diz nesta entrevista são importantes para acrescentarmos mais algumas peças ao grande puzzle da História de Moçambique. Puzzle ainda com muitas zonas vazias, à espera de outros livros de memórias de outros participantes no processo histórico moçambicano.
Ele próprio faz o desafio a que outros apresentem as suas perspectivas pessoais, eventualmente diferentes, sobre aquilo que ele recorda. Pensa o seu livro como possível fonte de polémica e debate.
Infelizmente não é isso que tem acontecido até agora. A imprensa, de uma forma geral, tem saudado o livro sem, em nenhum momento, pôr em causa seja o que fôr ou procurar aprofundar alguns dos pontos mais salientes das memórias de Jacinto Veloso. E é pena.
Muitas das fontes conhecedoras da nossa História estão, pela lei natural das coisas, a desaparecer. E pedaços inteiros vão ficando, para sempre, perdidos. Talvez para grande satisfação de uns tantos mas, sem a menor dúvida, para perda de todos nós, que ficamos privados de conhecer muito do que aconteceu, de facto, e porquê aconteceu.
Ao que suponho a lei moçambicana indica que, ao fim de 25 anos, a documentação oficial passa a ser de domínio público. O que, penso, não está a ser cumprido.
Mas, pior que isso, é que essa lei não consegue tornar do domínio público aquilo que não existe no papel e apenas nas recordações de quem viveu os acontecimentos.
São esses que têm que interiorizar a necessidade histórica de nos contarem as suas memórias.
Se não quiserem que as futuras gerações tenham uma visão falsa e deturpada de como nasceu o nosso país e de como viveu os primeiros anos da sua existência independente.
A eles apelo para que, enquanto é tempo, se ponham ao trabalho.
SAVANA - 29.12.2006