Thursday, January 04, 2007

Entrevista com Jacinto Veloso

Algumas aterragens
Por Machado da Graça
O General Jacinto Veloso, no seu livro, contou-nos as suas memórias, sobrevoadas em voo rasante. A nossa proposta, na entrevista que se segue, é seguir essa mesma rota mas ir fazendo algumas aterragens em alguns acontecimentos e momentos.

Começaríamos com a morte de Eduardo Mondlane. O livro fala de antagonismo no interior da Frelimo e afirma que desse antagonismo resultou a morte de Mondlane. Ora a PIDE, através do seu agente Casimiro Monteiro, confessou a autoria do crime.
Isso é uma matéria que eu não acompanhei pessoalmente. Não participei na investigação nem nada disso. Uma análise minha a posteriore faz-me concluir que... uma acção dentro da Frelimo... claro sempre se pode dizer que é dentro da Frelimo, mas, conhecendo o sistema de actuação dos serviços secretos, é evidente que, para fazer uma acção num lugar qualquer, o ideal para uns serviços secretos é terem os seus agentes colocados. De outra maneira não vão muito longe.
Mas o pacote não passou pelos correios da Tanzânia, não tinha selos, carimbo?
Não sei explicar, não sei dizer exactamente, mas a minha convicção é que não passou. Alguém colocou o pacote junto com o correio. Um colaborador da acção colocou. Vamos dizer que era da Frelimo? ...Sim, era, mas não foi uma acção da Frelimo. Havia antagonismo entre duas facções, uma delas bastante influenciada pelo sistema colonial. Com uma solução diferente da outra.
A estranheza parte do facto de a PIDE ter confessado o crime e o sr. General o apresentar como resultado de um antagonismo interno.
Eu estou-me a situar na época. A PIDE aparece muito mais tarde. O processo de investigação, que foi conduzido por um tanzaniano, nessa época, naturalmente não disse que há um sujeito, Casimiro Monteiro, que... isso já é recente. Ele confirma que preparou aquilo e, portanto, é uma acção da PIDE.

Dezembro de 1975

O senhor General fala, muito em voo rasante, dos acontecimentos de Dezembro de 1975. O que foi aquilo, sr. General?
Aquilo é aquilo que eu digo no livro. Não sei mais do que aquilo. Só sei que foi organizado pelos sul-africanos, isso sai claro na investigação, porque eu é que dirigi essa investigação, mas não temos mais informação. É um bocado estranho, mas é isso. Pelo menos eu não tenho.
Ao fim destes anos todos continua a não se saber nada? Quem eram? Como foi resolvido o problema?
O problema foi resolvido muito simplesmente, contactou-se com as pessoas que estavam mais ou menos a liderar e elas próprias estavam convencidas de alguma coisa, que não nos explicaram muito bem, que estava a acontecer contra eles e então vieram reagir. Depois constataram, pelo diálogo, que não havia nada e regressaram ao quartel.
Mas o que é que eles queriam? O que é que exigiam, se é que exigiam alguma coisa?
Não exigiam nada. Queriam saber o que é que estava a acontecer, a ser preparado contra eles. Talvez pensassem que iam ser abandonados. Cumpriram a sua missão e agora já não eram precisos, etc.. Foi esse tipo de raciocínio.
Se bem se recorda, começava alguém a disparar num ponto qualquer da cidade e tudo quanto era guerrilheiro desatava a disparar para o ar, incluindo os defensores do NOTÍCIAS, onde eu trabalhava na altura.
Eram guerrilheiros que vinham do mato e tinham que se manifestar. Dizer: estou aqui. O que é que há? Disparo se for preciso. Era para mostrar que estamos aqui, estamos armados, temos munições, estão a ouvir? Não havia polícia que pudesse controlar uma coisa daquelas.
Resolveu-se pelo diálogo?
Resolveu-se pelo diálogo, muito facilmente. Alguns encontrei mais tarde, continuaram a trabalhar nas forças armadas. Houve umas detenções, mas foram logo libertados. Não houve nenhum problema. É daqueles assuntos que não foi bem explicado à população.
Operação Zero, introdução do Metical. Toda a gente me diz que foi uma operação feita impecavelmente, que não falhou nada, etc.. Mas... era precisa?
Era precisa porque havia uma massa de circulação de escudos coloniais que estava exactamente nas mãos dos indivíduos que pretendiam desestabilizar o país. Portanto, a Segurança do Estado tinha que tomar isso em consideração e fazer uma operação que colhesse de absoluta surpresa os detentores dessas enormes massas de dinheiro que financiavam operações contra o Estado, mas não só. Pressões comerciais e financeiras, altamente lesivas dos interesses do Estado. Portanto, não se podia dizer: agora vamos trocar o dinheiro, senão haviam de se desfazer daquilo de formas diversas e era impossível neutralizar aquela massa financeira. Isso aí não há a menor dúvida. Eu, pelo menos, não tenho.
Há um nome que é citado mais do que uma vez no seu livro: Fernandes Baptista. Conheci-o pessoalmente em casa de amigos comuns. Depois desapareceu e, mais tarde, surgiu a notícia do costume de que tinha sido morto ao tentar fugir. O que aconteceu, de facto?
Não tenho informação, realmente. Tenho a mesma informação, que ele teria fugido para o Malawi e que, no processo de fuga, resistindo a alguma detenção, teria sido abatido. Não tenho informação concreta sobre a matéria. Ele ia a minha casa e eu também ia a casa dele.

Parecia uma pessoa de nível alto...
Por isso foi escolhido para ser uma das cinco pessoas que iniciaram a Segurança do Estado, pelo próprio Presidente Samora.
A certa altura o sr. General diz que os militares sul-africanos, a Inteligência Militar, tinham apoiado Afonso Dhlakama em disputa com três outros candidatos à chefia da Renamo. Sabe-se quem eram esses candidatos?
Não procurei aprofundar isso e, portanto, preferia não mencionar.
E porquê a escolha de Dhlakama? Qual foi o critério?
Talvez fosse a pessoa com mais qualidades e com mais entendimento da situação, do ponto de vista sul-africano, que poderia liderar aquele movimento, a chamada “Resistência”. A que dava mais garantias para a continuidade de um movimento de oposição à Frelimo.
Há nomes que aparecem permanentemente quando se fala do relacionamento entre Moçambique e a África do Sul do apartheid, o general van der Westhuizen, o general van Tonder e van Niekerk, que começa por aparecer como capitão, depois como coronel e, por fim, como brigadeiro. Que tipo de gente é esta? Cumpriam apenas ordens ou eram pessoas que estavam...
Eu acho que, essencialmente, eram pessoas que cumpriam ordens, como os militares em geral. Os militares, o pessoal da segurança, cumprem ordens. E exige-se uma grande disciplina, porque têm que cumprir. Como sabe, na área militar cumpre primeiro e reclama depois. Os civis, pelo contrário, reclamam logo, antes de cumprir. Esta é uma grande diferença. Como tal, eles cumpriram ordens, para defender o sistema. Como sabe eles eram membros importantes da Military Inteligence, que era, depois da redução da importância da Boss, o serviço secreto principal de defesa do Estado sul-africano na questão do apartheid. Van Niekerk era o responsável específico por Moçambique...
Esse nome começa a aparecer, ainda antes da Independência, como assessor das tropas portuguesas...
Não tinha ideia disso... Então já vem de trás...
Pelo que me dizem ele até fala português e alguma língua moçambicana...
Está-me a dar uma notícia. Uma coisa nova, mas o facto é que ele é que é a pessoa que tem que pensar nas operações que tem que fazer, e propor depois aos seus superiores, é claro. Como apoiar a oposição, como agir em certos momentos... as próprias forças sul-africanas tinham que agir, para resolver certos problemas, questões pontuais. Enfim, era isso a organização de um serviço secreto. Uma vez terminada a razão que os leva a fazer isso eles tornam-se normais militares e, normalmente, não guardam rancores ou ódios.

Acordo de Nkomati

Nkomati. Há quem diga que Moçambique estava com medo de um ataque nuclear dos sul-africanos. O sr. General partilha essa ideia?
Não. Um ataque nuclear seria muito difícil. Os sul-africanos usaram isso nalgumas conversas particulares, não na mesa das negociações. Que eles efectivamente dispunham da arma nuclear, mas isso era usado em privado, vamos lá dizer, como uma maneira de dissuadir, de exercer pressão, como quem diz: “Vocês são muito pequeninos. Nós até temos a arma nuclear”. Mas eu nunca acreditei que eles pudessem usar a arma nuclear, porque isso tornava-se um problema de tal ordem de repercussão internacional, que a África do Sul, que dizia que estava a defender os interesses do Ocidente nesta região, perdia toda essa razão. Deixava de ter o apoio. Teria que ser condenada, o que não convinha a ninguém, nem ao Ocidente nem à própria África do Sul, portanto isso estava fora de questão. O que estava na agenda era um ataque militar, com meios clássicos. Isso não há dúvida. Agora um ataque nuclear, não, não partilho dessa opinião. Perdiam credibilidade, etc.. E os serviços de segurança, as diplomacias desses países não dariam seguimento a uma coisa dessas. Isso seria um desastre.
Um pequeno pormenor mais ou menos técnico: o sr General diz que o Acordo de Nkomati foi assinado na carruagem de comboio, mas eu fiquei com a memória de que foi assinado naquele palanque, perante o público...
Será? Está-me a colocar uma questão... Pelo menos foi rubricado na carruagem. Eu rubriquei com o Pik Botha na carruagem... Mas os Presidentes sentaram-se lá. Acho que assinaram. Ali foi a apresentação pública...
Tenho a recordação que eles se sentaram um ao lado do outro e assinaram qualquer coisa.
Devem ter assinado qualquer coisa, simbolicamente. Porque estiveram na carruagem, com a fronteira passando pelo meio da mesa... Mas agora confundiu-me um bocado... É possível que tenham concluído na cerimónia pública, mas tudo foi terminado na carruagem.
Mais adiante o sr. General diz: “De resto o ANC nunca teve bases militares em Moçambique”. Ora base, no sentido de quartel, eventualmente não teve, mas tinha bastante actividade militar...
Base, naquele sentido de que tem que ter forças, tem que ter quartéis, tem treino militar, isso é uma base. Um lugar de apoio não é uma base.
Mas, na Matola, eles fizeram túneis e ensaiavam sabotagens...
Mas isso é treino pontual. Bases era o que eles tinham em Angola. No sentido de quartel e não de pontos de apoio logístico... Eles tinham actividade militar, não há dúvida, e era a Segurança que lhes dava esse apoio. Depois de Nkomati eu já lá não estava, mas a cooperação continuou. A dado momento o sr. General diz que, em 1983, quando Prakach Ratilal deu a conhecer aos soviéticos e aos alemães do Leste a nossa intenção de aderir ao Banco Mundial, eles classificaram-nos de traidores e indeferiram a entrada de Moçambique no COMECON. Na minha memória as coisas passam-se ao contrário. Primeiro tentámos entrar no COMECON e só quando nos fecharam a porta é que nos virámos para o Banco Mundial. Havia a questão de sermos um “país socialista” ou apenas “de orientação socialista” .
Eles acabaram por nos dizer “não”. Aquilo que eu sei é que eles disseram que aquilo era um processo, levava tempo, sair dessa “orientação socialista” para uma fase mais socialista. Era essa discussão. E nessa reunião, em Budapeste ou Bucareste, o Governador do Banco disse: “Bom, nós estamos num processo de adesão”. E aí é que a resposta foi: “Então está fora de questão que possam entrar no COMECON”. Aquilo foi decisivo. Nessa época já existia a ideia de romper o cerco, de que era preciso mudar. Já estavam em curso acções desde 81, 82, através de algumas personalidades, europeias, americanas, para nos aproximar... Como é que se faz isso para aderir ao Banco Mundial, depois de tanto tempo sem nos termos manifestado.
O processo estava a andar e isso motivou o COMECON a dizer “não”. Se calhar tiveram um bom pretexto, porque não queriam Moçambique lá. Era muito subdesenvolvido e havia de consumir muitos recursos para ser um parceiro à altura dos outros, etc.. Penso que este era o raciocínio.

Lutas internas na Frelimo
Na página 208 o sr. General faz uma citação de Samora em que ele terá dito: “ Se eu morrer, o que vai ser de vocês? Acho que vão todos matar-se uns aos outros!”. Era esta a ideia que Samora tinha da Frelimo naquele momento?
Talvez não da Frelimo. Uma ideia que ele poderia ter algum receio que houvesse divisões internas que pudessem levar... matar-se uns aos outros é uma maneira de dizer... que pudessem levar a conflitos tais que poderiam desencadear um problema interno, uma guerra, sei lá o quê. Não sei, mas conflitos sérios que poderiam prejudicar a própria FRELIMO.
Uma pessoa que era o Presidente dessa Frelimo. Que se imagina que a conhecia bastante bem, ter essa visão...
Também pode ter sido dito tipo provocativo. Para dizer: “Qual é a tua opinião sobre isso?” Para provocar a resposta. De alguma maneira exagerando a situação. Penso que era este, aliás, o objectivo. Porque não teve consequências. Isso resolveu-se nos 5 minutos que se seguiram.
Mais adiante o sr. General refere a sua resistência de mais de 16 meses em agir contra a rede da CIA instalada em Moçambique. Porquê essa resistência, sr. General, se, como se diz, a CIA apoiou os sul-africanos no ataque à Matola?
A resistência de 16 meses é que, como Segurança do Estado, se eu já conheço quem é a rede de um dos principais adversários, se eu já conheço quem são, onde é que estão, onde é que moram, o que é que fazem, se eu destruir esta rede, se a neutralizar, deixo de saber. Porque a nova rede que vai ser, obrigatoriamente, pela natureza das missões, das funções do próprio serviço secreto americano, neste caso a CIA, vai-se reconstituir de uma nova maneira, em outros lugares. Portanto era preferível acompanhar e observar os agentes da CIA que estavam já presentes, sem eles saberem que nós os conhecíamos, do que neutralizar e eles virem a criar, como criaram, logo a seguir e já nos escapou completamente a operação da CIA.
Mesmo que isso implique riscos de que as informações deles ponham em causa a segurança do país?
Dentro desse processo, assim como o adversário tenta recrutar ou ganhar agentes dentro do Estado moçambicano, ou do serviço de segurança moçambicano, como aconteceu, também os serviços de segurança, os serviços secretos moçambicanos ganham agentes no outro lado. Com menos capacidades financeiras e de meios, etc., mas também era possível conhecer melhor, até porque havia alguns moçambicanos que estavam recrutados, alguns que a gente acompanhava, outros que não acompanhava, e eram vários, podíamos saber qual era o interesse do serviço secreto americano. Eu conto dois ou três casos, mas havia muito mais: quem eram os oficiais favoráveis a Moscovo, saber se já tinham chegado os Mig 16 a Nacala, esse tipo de coisas. Então nós íamos sabendo qual era o interesse deles. Uma questão importante, que chegámos a descobrir a tempo, era se Moçambique não estaria a preparar com Cuba uma operação idêntica à operação que foi organizada em Angola para parar os sul-africanos. Portanto, com tudo isto, se eu neutralizar aquela rede que eu já conheço, fico com muito menos informação e isso não permite tomar medidas preventivas.
Na pág. 259, o sr. General cita Mondlane quando ele diz que “Nós somos muito poucos para um território tão vasto. Para desenvolvermos o nosso país precisamos no mínimo de 40 ou mesmo 60 milhões de habitantes”. Porque é que a Frelimo seguiu uma política completamente oposta, de se fechar...
Eu penso que Mondlane, ao dizer isso... ele estava a explicar que não vale a pena perder energia, haver dissidências internas, porque eu sou de Niassa, ou de Cabo Delgado, portanto ir puxando à sua província, ou ao seu distrito, ou à sua etnia,
Mas ele aqui, concretamente, fala de pessoas de fora do país: “ Após a independência teremos que convidar homens e mulheres de outros países e de outros continentes para connosco trabalharem no desenvolvimento do país”.
Exactamente. Estou a tentar explicar qual era a motivação. Então ele explicava que não vale a pena. Nós já somos poucos, não vale a pena dividirmo-nos. Naquela altura falava-se de Cabo Delgado, Niassa e um bocado de Tete. Sobretudo eram aqui as grandes discussões. E dentro havia pessoal de toda a parte, do Sul, do Centro, etc.. Portanto, ele pretendia dizer que não vale a pena criarmos querelas internas quando somos muito poucos e, se calhar, temos que recorrer a outros, trazer mais pessoas de fora. O fundamental, daquilo que eu me recordo, era convencer as diversas pessoas, dirigentes e não dirigentes, de que é preciso defender Moçambique como um todo, e não a minha região ou a minha província, porque somos poucos e, provavelmente, temos que ir buscar outros. Isto significa também uma certa tolerância para viver em conjunto.
Vamos agora a um assunto um bocadinho menos sério. Há um episódio que o sr. General conta no livro e que o próprio livro desmente. É o episódio das patilhas. As patilhas que embranqueceram devido à tensão. Ora há no livro várias fotografias posteriores e esse episódio, em que as suas patilhas estão perfeitamente escuras.
(Dá umas gargalhadas) – Parecem! Parecem! Mas realmente eram muito escuras e, quando vi ao espelho, deste lado aqui tinha umas manchas brancas, de um dia para o outro, nesse momento estava sob pressão psicológica. Até pensava: “Isto pode acontecer qualquer coisa” . Só o facto de falharmos a missão que tínhamos podia ser muito frustrante, mas as fotos são enganosas.
São várias fotos que mostram umas patilhas perfeitamente escuras...
Devia ter dito para retocarem (risos)
Sr. General, ao longo do livro, são diversas vezes citados nomes como o de Urias Simango, Joana Simeão, Lázaro Kavandame, Porque é que essas pessoas tiveram que ser mortas, contrariando, de certa maneira, a conhecida política de clemência da Frelimo?
Essa é uma matéria extremamente delicada. Eu não a domino suficientemente para me pronunciar sobre ela. Portanto esta é realmente uma resposta, não é uma fuga à pergunta. Não domino a matéria. Mas a política de clemência era uma política em relação aos soldados portugueses. Alguns soldados portugueses, feridos, foram tratados. Alguns até viveram com a Frelimo vário tempo até se encontrar aquela ideia de ver se algum país os queria receber.
Mas a guerrilha em si própria... eu também não domino muito bem esta matéria... a guerrilha tinha, em qualquer parte do mundo onde houve guerrilhas, um sistema de justiça muito rígido. A disciplina da guerrilha e os julgamentos da guerrilha, e o julgamento daquilo a que eles chamaram “os traidores” em todas estas guerrilhas do mundo, tem um tratamento que não é, exactamente, do Estado de Direito. Mas, como lhe digo, isto são observações. Sobre essa matéria concreta não tenho... não domino a matéria e prefiro não me pronunciar. Apenas com estes comentários, que são muito periféricos. Talvez ajudem algumas pessoas a entender. Se calhar houve outras razões.

Conflito Leste-Oeste
Agora gostava de ir àquilo que considero a questão de fundo do livro. O sr. General, ao longo do livro todo, coloca os problemas que fomos atravessando, no conflito Leste-Oeste. E diria, se for dizer mal o sr. General me irá emendar, que coloca grande parte dos problemas que o país teve numa excessiva colagem à União Soviética, ao longo dos primeiros anos da Independência. Está correcta esta interpretação?
Parcialmente correcta. O que é importante dizer é que os aspectos negativos daquilo a que está a chamar “colagem à União Soviética” causaram realmente muitos prejuízos, mas também teve aspectos positivos, que foram importantíssimos também. Portanto, quando eu digo que o aspecto negativo causou prejuízos, quero com isso significar que, ainda que nós, os dirigentes, pensássemos que era a melhor coisa que estávamos a fazer... na altura estávamos todos de acordo... com o tempo conclui-se que, afinal, poderia ter sido diferente. Está claro que a política externa da União Soviética, na altura, era essencialmente proposta, estudada, pelo serviço secreto soviético. Nos países do terceiro mundo em geral, mas sobretudo aqui na África Austral e sobretudo Angola e Moçambique, é que davam as indicações de como é que a política deveria ser feita no interesse da defesa dos interesses da União Soviética.
Portanto, não há dúvida de que muitas das acções que a União Soviética fez em Moçambique, fê-lo na defesa da sua posição na confrontação com os Estados Unidos da América. Em muitos casos coincidiu com o interesse moçambicano, nacional, mas noutros não, foi prejudicial. Por isso eu digo que parcialmente está certo, mas não totalmente.
O afastarmo-nos da União Soviética e aproximarmo-nos do Ocidente trouxe-nos para esta situação em que estamos agora, de capitalismo aberto. Seria este o interesse nacional?
Não, eu acho que não. O interesse nacional, na minha perspectiva, como membro da Frelimo, e como político da Frelimo, é produzir riqueza, sim senhor, mas é resolver os problemas sociais e económicos do país, do povo moçambicano. Este é que é o interesse. E este é o interesse que, desde o início, existe. Só que pensámos que íamos por um certo caminho e afinal tivemos que ir por um outro caminho. Que é este caminho do capitalismo. Hoje a situação é um bocado complicada, um capitalismo um bocado selvagem, mas é uma fase. As coisas têm que evoluir para situações... não sei que país é que podemos indicar como possível modelo... olha-se para os nórdicos, mas também já estão a mudar, a Suécia já não é o que era... Mas o facto é que no mundo já não existe aquele modelo de socialismo científico. Nem em Cuba, apesar de se falar na resistência dos cubanos, ou do Partido Comunista Cubano, até porque a coisa já está bastante diluída.
Aqui há dias contaram-me uma anedota que se passa na actualidade. É uma conversa entre dois russos. Um deles diz: “O pior não foi os soviéticos terem-nos mentido sobre o que era o comunismo.” . O outro respondeu: “Então o que é que foi pior do que isso?” . O pior, disse o amigo “é que agora descobrimos que eles nos contaram a verdade sobre o que é o capitalismo”.
É isso. Agora temos que encontrar o meio termo, de maneira que seja um capitalismo que não seja muito explorador e seja mais equitativo na distribuição. Se não conseguir por um meio natural, por uma evolução natural, ou com um Estado suficientemente forte que obrigue a caminhar nesse sentido. Isso é inevitável.
Dentro dessa linha de raciocínio o sr. General vai até ao ponto de dar a entender a participação da União Soviética no desastre de Mbuzini. Se me permite, isso não é forçar um bocadinho a nota?
Bom, eu não falo da União Soviética. O que eu digo é que alguém... é uma pista, também não é uma afirmação... é uma hipótese de trabalho... alguma coisa aconteceu na cabine do avião que realmente, conjugado com o VOR que desviou a rota, que levou o comandante a iniciar a descida, como se estivesse a ir para Maputo.
Portanto, este indivíduo... se é que existiu, eu não sei se existiu... que pôde fazer alguma coisa na cabine, só podia ser um indivíduo que conhecesse muito bem a tecnologia do avião e toda a electrónica própria. Portanto é aqui que admito como uma pista este indivíduo que andou lá a visitar o avião, aparentemente um russo, ou coisa do género, que andou lá a falar com os outros, que pode ter preparado qualquer coisa que, no momento próprio, convenceu o comandante. Não compreendi até hoje porque é que o radar estava desligado. Era um radar bem moderno, a cores e tudo. Ou estava avariado, mas se estava avariado não deviam ter voado. Era razão para dizer: “Não podemos ir”. A não ser que o próprio Presidente Samora dissesse: “Não, isto é uma coisa de interesse vital e temos que ir!”. Então isso transformava uma missão diplomática numa missão militar e aí a segurança passa para segundo lugar. A missão é que é a primeira.
Então que tipo de indivíduo era este? Tem que ser um tipo de indivíduo que sabe, conhece a tecnologia e provavelmente ou fez qualquer coisa lá, deixou um aparelho, que realmente deu a indicação de que estava em Maputo. Não quero dizer a União Soviética. Pode ser um fulano dos sul-africanos que foi contratado para o efeito.
Portanto é este o sentido. Se ficou que foi a União Soviética, eu penso que não está bem, não está claro.
Mas há o mecânico russo do avião, que sobrevive, e que, ao que me dizem, acabou por ser assassinado, na Rússia, por um africano...
Essa parte eu não sei. Não tenho informação. Isto é uma especulação. Eu, se fosse um investigador, ia procurar encontrar o que é que, realmente, poderia ter acontecido para que o piloto se convencesse de que estava a descer para Maputo. A tripulação toda, o que é um bocado estranho.
Mas diz-se também que aqui, na torre de Maputo, teria sido desligado o equipamento de apoio ao voo.
Isso nunca ouvi. Na altura falou-se com o controlador, logo no dia seguinte. Não apareceu essa informação. Acho que não é correcta.
Muito obrigado, sr. General.
SAVANA – 29.12.2006

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