Thursday, April 19, 2007

Falta de hábito ao trabalho perpetua fome no país - considera Presidente Armando Guebuza

O PRESIDENTE Armando Guebuza “quebrou o gelo” durante a visita que efectuou à província da Zambézia terminada domingo último, dizendo, sem eufemismos, que o que tem perpetuado a fome e a pobreza em Moçambique é a “falta do hábito pelo trabalho”, que tem feito com que haja muitos moçambicanos que “passam a vida a descansar até se cansarem de descansar”.

Numa série de intervenções que fez tanto na capital, Quelimane, como nalguns dos distritos que escalou de 12 a 17 deste mês, no quadro do périplo que está a fazer pelas 10 províncias moçambicanas, Guebuza quase não se valeu desta vez dos termos com que tradicionalmente tem atacado a apatia laboral no país, como “falta de auto-estima”, ou “falta de mudança de atitude”, dizendo claramente que não há outra explicação “à perpetua fome e pobreza” que ainda afecta mais de metade dos cerca de 20 milhões de moçambicanos, que não seja porque há muitos que ainda não assumiram que a riqueza e o bem-estar nunca cairão do céu, mas sim do trabalho árduo.

“Temos que passar a trabalhar mais e arduamente”, repetiu muitas vezes tanto no comício que orientou no começo desta sua visita no dia 12 em Quelimane, como em todos os outros que dirigiu em vários distritos zambezianos.

Para que não fosse tomado por alguém que está diagnosticando mal as causas que fazem com que mais de 60 porcento dos moçambicanos mal se possam alimentar, e muito menos ter dinheiro com que possam resolver alguns dos problemas básicos como para comprar medicamentos, Guebuza disse “não ser possível que isso aconteça num país abençoado com uma vasta gama de terras férteis, ademais, serpenteadas por vários cursos de água”. Dados estatísticos indicam que apenas quatro (4) porcento dos 39 milhões de hectares com potencial agrícola estão sendo cultivados, o que quer dizer que há mais de 35 milhões onde não se faz nada. Uma das estratégias que Guebuza anunciou como devendo ser adoptada pelo seu Governo para se acabar com a fome no país, será o desencadeamento de uma “Revolução Verde”, havendo já uma equipa de peritos que está a lançar as bases para o seu início.

Para Guebuza, não faz sentido que “os moçambicanos tenham potencialmente tudo no seu país, incluindo terras férteis cruzadas por rios caudalosos, mas ao mesmo tempo sejam pessoas que não têm nada, que vivem na pior das pobrezas”.

Em alguns dos comícios que dirigiu tão concorridos, que até pareciam tratar-se de espectadores de bons jogos de futebol que de pessoas que escutavam um estadista a falar-lhes, Guebuza teve de frear muitas vezes a sua língua, para não ir mais longe e admitir abertamente que o problema da fome em Moçambique é que “há muitos preguiçosos no país”. “Temos que admitir que não trabalhamos muito. Para sairmos da pobreza, temos de aumentar a produção, para que tenhamos mais comida este ano do que tivemos no ano passado, e assim sucessivamente em todos os anos que se seguirem ao anterior”, disse eufemísticamente, evitando assim dizer que há muitos compatriotas seus que tanto nas cidades, como nas zonas rurais, ainda não se entregam ao máximo no trabalho. Ele preferiu chamar-lhes de pessoas que “descansam sem terem feito nada, e que ficam cansados de tanto descansarem”.

TRABALHAR MAIS

“Só aqui na Zambézia, temos grandes áreas de terras férteis próprias para a prática da agricultura. Mesmo aqui à volta de Quelimane, há muitos pântanos que se fossem bem aproveitados, dariam muito arroz para alimentar toda a província e abastecer o resto do país. Mas no lugar de tirarmos máximo proveito destas terras e das águas que os rios nos trazem, passamos a vida a comprar comida dos países vizinhos, como o Malawi, só porque não produzimos no nosso próprio país. E isto faz com que paguemos um preço elevado pelo que compramos, porque temos que pagar o transporte, quando nos podia sair mais barato, se produzíssemos aqui no nosso país, aqui nas proximidades de Quelimane”, disse, olhando para o “mar” de gente que acorrera ao seu comício, no que foi visto como prova de que continua popular, tal como quando ganhou com mais de 65 porcento as eleições gerais de 2004.

Ele insistiu, em tom sério e vigoroso, que “não faz sentido que os moçambicanos continuem a comprar dos países vizinhos o que precisam para comer, quando os seus próprios solos têm a mesma composição química que a dessas nações de quem importam quase tudo”.

“Temos que passar a ter o hábito de trabalhar mais, para que possamos acabar em pouco tempo a fome e a pobreza que ainda nos afecta”, disse, antes de frisar que “apesar de ter a certeza de que estes dois males serão erradicadas no país, tal não pode ser uma missão que leve séculos a concretizar-se, porque o sofrimento que causam não se pode adiar para depois, daí que não se possa igualmente adiar-se a sua eliminação”.

Guebuza deixou claro que a menos que os moçambicanos assumam que o trabalho é o único meio que os libertará da humilhante dependência da ajuda externa, nunca sentirão de facto o sabor da independência que conquistaram com imensuráveis sacrifícios e morte de alguns dos seus melhores irmãos, como Eduardo Mondlane. Fez ver que a conquista da prosperidade era e continua a ser a principal e última meta da luta pela independência, porque esta era e é apenas o meio a partir do qual os moçambicanos passaram a ter todos os direitos que antes lhes eram negados pelo colonialismo, incluindo o de serem ricos.

Fez uma comparação com este feito histórico, dizendo que tal como antes e depois do começo da luta pela independência havia muitos cépticos que não acreditavam que seria possível derrotar-se o colonialismo, há também agora nesta nova batalha contra a pobreza, muitos que não acreditam ser possível acabar-se com este mal que tanto sofrimento e mortes causam.

Ele recordou que do mesmo modo que para se derrotar o colonialismo foi preciso que os moçambicanos acreditassem primeiro que era possível, também agora é imperioso que haja convicção de que é possível erradicar-se a fome e a pobreza.

Para tal, disse que basta que os moçambicanos se interroguem como é que os outros povos conseguiram por fim à fome e à pobreza nos seus países, “para que nós também possamos dizer que somos capazes”.

A produção agrícola deve ser a aposta dos moçambicanosHÁ QUE ENVOLVER TODOS NA LUTA

CONTRA A FOME E POBREZA
Em alguns dos comícios, como o que dirigiu a 14 deste mês em Mopeia, Guebuza foi ao ponto de sugerir que se devia recorrer à persuasão, para que mesmo aqueles que não são apaixonados pelo trabalho, passem a trabalhar também, para que sejam homens e mulheres dignos.

Defendeu a ideia de que todos devem trabalhar, porque sem o trabalho nunca se é livre da pobreza. ´´E como vocês sabem, quando se é pobre, tem-se falta de quase tudo. Não se pode ter comida suficiente. Não se pode ter uma boa casa. O pobre não pode mandar os seus filhos à escola. Não pode ir ao hospital, porque não tem como pagar a consulta, e muito menos comprar os medicamentos. Como podem ver, quando se é pobre, é quase o mesmo que estar condenado a uma morte prematura. Quem não vive bem, a vida deixa de ter-se sentido e sabor, e passa a ser um pesadelo”, argumentou, adiantando que é por isso que ele preconiza que todos os moçambicanos deviam trabalhar arduamente, para que possam viver em paz de espírito.

INCUTIR NAS CRIANÇAS O AMOR AO TRABALHO

Numa das alocuções que fez mais tarde no mesmo dia 14, na sede do distrito de Alto Molócuè, Guebuza apontou como uma das soluções quase maciça apatia pelo trabalho no país, que se passe a ensinar às crianças nas escolas o hábito pelo trabalho. Para tal, ele disse que os currículos escolares devem, de ora em diante, incrementar as praticas do trabalho manual, para que as crianças cresçam sabendo fazer coisas úteis, de modo que quando forem adultas, possam ser homens e mulheres prestáveis à sociedade.

Ele revelou que ao longo desta sua visita à Zambézia, esteve numa escola de Pebane, cujos professores já fazem isso, e que ficou positivamente surpreendido, quando as suas crianças lhe ensinaram como se faz uma enxertia. Disse que essa escola é um verdadeiro “jardim verde” e, que por isso mesmo é conhecida como “Escola Verde”, porque tem muitas árvores de fruta e de sombra.

Guebuza destacou que no dia em que se conseguir que todas as crianças moçambicanas cresçam tendo o hábito de trabalhar, quando forem adultos, não tem dúvida que nessa altura ´´a fome e a pobreza em Moçambique serão um problema do passado, tal como o é o colonialismo há já 32 anos.

Quando podermos ter crianças que terão aprendido ainda tenrinhos o hábito de trabalho antes de chegar à idade adulta, não tardará muito que falaremos do passado da fome e da pobreza aqui no nosso país, tal como hoje falamos do passado colonial, porque os moçambicanos se deram ao máximo na luta contra o colonialismo”.

GUSTAVO MAVIE, da AIM

Fonte: Notícias - 19.09.2007