Por Magid Osman
Eu queria fazer esta análise, fundamentalmente, para ver quais são as implicações que esta economia cria num país como Moçambique e também para os outros países africanos. Habitualmente, quando nós falamos de economia do país, a grandeza que se usa é o Produto Interno Bruto (PIB). Esta semana foi anunciado que o PIB da China superou o do Japão. Mas há uma outra forma de medir o PIB, que é tendo em conta os preços internos relativos. Portanto, os produtos e serviços oferecidos pela China são mais baratos que os do Japão, portanto, 1 000 USD na China compram muito mais do que 1 000 USD no Japão. Cria-se um outro critério que causa esta convenção que se chama paridade do poder de compra (PPC) que utilizamos há mais de dez anos, que demonstra que a China já tinha o seu PIB maior que o do Japão. Agora, em termos normais, a China ultrapassou o Japão.
Só para dar uma ideia, no critério anterior, que é o que nós estamos a utilizar agora, em que a China ultrapassou o Japão, os EUA estão em primeiro e a China em segundo, o Japão em terceiro, a Alemanha em quarto e a Índia vem em décimo lugar. Se utilizarmos o critério PPC, os EUA continuam em primeiro a China em segundo e a Índia já vem no terceiro, porque na Índia os produtos ainda são mais baratos que na China. Portanto, a diferença que há entre um critério e outro é que, o primeiro critério é convencional e o PIB chinês é seis vezes inferior ao PIB dos EUA. No critério PPC o PIB chinês é mais elevado em 50% do que o PIB americano.
É óbvio que nisso as taxas de câmbio também têm uma contribuição muito importante neste processo e aqui vale apenas também analisar isto. A taxa de câmbio, por exemplo, da China, se for valorizada a sua moeda o PIB chinês, quando medido em dólares, cresce tremendamente e essa é a posição que está a ser feita sobre a China para que este país valorize a sua moeda de modo a se tornar menos competitivo das suas exportações e mais competitivo das implicações para equilibrar a diferença existente entre as exportações e importações. Há uma certa analogia para esta situação que a China vive hoje e a situação que o Japão vivia em 1978.
Analogia da situação da china com a do Japão em 1968
Nessa altura em que se dizia que o Japão queria ultrapassar a economia dos EUA em que inclusive a primeira ministra francesa insurgia-se contra os japoneses, porque dizia que os japoneses trabalhavam como formigas o que iria inundar a Europa com os seus produtos e ainda, que era necessário serem tomadas algumas medidas de precaução para dificultar a entrada destes produtos na Europa. O que aconteceu na altura foi que, sobretudo, os EUA fizeram uma pressão muito grande sobre o Japão e a taxa de câmbio do dólar para o Yene que é a moeda japonesa, era de 1 dólar a 240 yenes e sucessivamente o yene foi se valorizando até chegar a 85 yenes hoje; o que tornou as exportações japonesas menos competitivas.
Agora o Japão deixou de ter os ritmos de crescimento fabulosos que tinha; mais ou menos estagnou-se em termos do crescimento económico. Hoje, o PIB per capita americano é maior que o PIB per capita japonês. Portanto, há esta analogia entre o Japão e a China, mas também há grandes diferenças entre estes dois países.
Enquanto na China a população é dez vezes mais que a população japonesa, o consumo ainda está reprimido. Portanto, o PIB per capita está por volta de 3 000 USD a 3 700 USD para o Japão. Eu diria que para o caso particular da China, não só há muita mão-de-obra, assim como ainda há por integrar, como ainda há muito consumo por expandir, o que significa que a China tem um potencial de crescimento muito grande;
Além disso, o Japão tinha uma política externa subalterna aos EUA e a China tem uma política externa autónoma.
O Japão tinha preocupação de representar a força económica no campo internacional através de uma presença internacional muito mais forte e a China não tem essas preocupações, pelo contrário, a China projecta a sua força económica no campo internacional.
Mudanças geoestratégicas no país
Se analisarmos os negócios que a China tem vindo a fazer em África, verificaremos que tem sempre uma componente de matérias-primas. Portanto, a China sabe que é importante assegurar o fornecimento actual, e o futuro de matérias-primas estratégicas. É só para dar uma ideia do que pode acontecer se a China continuar a crescer ao ritmo actual, e se a Índia também acompanhar a China no seu crescimento. Há estimativas da Agência Internacional de Energia que dizem que se o consumo do petróleo dos países de renda baixa e de renda média se aproximar ao consumo médio mundial, vai ser necessário produzir-se mais 35 milhões de barris por dia. O consumo actual anda à volta de 85 a 90 milhões de barris por dia.
A própria Agência Internacional de Energia diz que em 2015 é capaz de haver um negócio iniciado com 5 milhões de barris por dia no caso do petróleo, isto é, se os consumos continuarem a subir como tem estado a acontecer. E para satisfazer as necessidades mundiais, em 2030 será necessário dispor de mais de 66 biliões de reservas adicionais de petróleo. Portanto, significa que o petróleo é um exemplo muito importante que explica como a China assegura o fornecimento de energia. O outro exemplo é o do carvão! A China é o maior produtor e o maior consumidor de carvão e deixou de exportar este minério e passou a importá-lo. E quando a China começa a importar, não se trata de importações pequenas, faz importações à ordem de 100 milhões de toneladas de carvão. Recentemente foi assinado um acordo, caso particular de Moçambique, com a Riversdale. A Riversdale foi buscar como parceira uma empresa chinesa que produz 40 milhões de toneladas de aço e vai comprar 40% da produção derivada do carvão do país. Deste modo, a China, indirectamente, passará a ser um parceiro económico importante e para o país vai disponibilizar cerca de 800 milhões de dólares para viabilizar projectos.
E o que está a acontecer no nosso caso, nesta situação das mudanças geoestratégicas?
A Índia, e sobretudo a China, no caso da localização geográfica, acabarão por ser directa ou, indirectamente, os grandes parceiros de Moçambique. E quando fazem negócios com Moçambique, significa que são relações construídas que vão se manter ao longo de cinquenta a cem anos e provavelmente irá se verificar uma imigração de indianos e chineses para o país. Isto significa que haverá uma mistura de culturas, o que torna uma relação muito mais forte. O interessante é ver que, enquanto estes dois países estão disponíveis a financiar grandes projectos em Moçambique, os mesmos não trazem o tipo de apoio que trazem os países ocidentais, e é já uma ironia.
Os países ocidentais estão em crise, têm dificuldades de crescimento e a China e a Índia continuam a crescer, porém, quem assegura a estabilidade económica e política em Moçambique é a ajuda ocidental. Os países ocidentais estão a ajudar países como Moçambique e outros países onde eles dão ajuda para que esses países como a Chian e a Índia que são os seus concorrentes, façam negócios com Moçambique.
Fonte: O País - 27.08.2010