Saturday, February 14, 2009

Vamos ter um “quinto poder”? (Conclusão)

Retirado do Jornal Notícias

SR. DIRECTOR!

E, cá entre nós, assiste-se por via da internet, espectacularmente, um desfile de imoralidades, plágios e invasões à privacidade das pessoas, sem que isso represente uma preocupação. E perguntar-se-ia: quanto material académico ou intelectual do Dr. Carlos Serra, por exemplo (creio sem uso autorizado dele) e de outros bloguistas, já circulou furtivamente em “sites” individuais ou informais, por um simples capricho? Acredito que tanto, mas, tristemente abusando da facilidade criada por este e outros intelectuais de colocar ou compartilhar alguns saberes tecnico-científicos e novidades das realizações da sociedade, sempre a bem do desenvolvimento do país. Dá-se aqui o exemplo do Dr. Carlos Serra como um dos blogues mais procurados do país e no além-fronteiras. Publicidade a parte, também sou utente.

Maputo, Sábado, 14 de Fevereiro de 2009:: Notícias

Com a falta de livros no mercado nacional, sobretudo com a incapacidade ostentada pela maioria da população estudantil, incluindo a docente e intelectual, o recurso para a aquisição das publicações e saberes tecnico-científicos tem sido à cibernética, através de pesquisas na internet, mais concretamente. E essa busca não tem sido, em muitas vezes, regrada, com os plágios a vegetarem impunemente, tal como é impune hoje o negócio de música e outras produções artísticas e intelectuais. No plágio intelectual até nem se cita o autor, enquanto no musical aparecem lá as fichas técnicas pintadas e com timbre falsos, mas sempre em prejuízo do autor e das editoras.

É quase que unânime a afirmação de que a blogosfera é, actualmente, o parlamento para os que não se consideram representados nos verdadeiros parlamentos convencionais, isto é, parlamentos formais.

Portanto, a blogosfera é tratada como um fórum potencialmente idealizado para aqueles grupos identificados ou aderentes inconscientes fluírem as suas ideias e projectos jamais ou raramente sublinhados pelos políticos e pelos “media”, para o caso vertente. Os frequentadores da blogosfera partem do pressuposto de que podem esgotar “n” assuntos numa única manhã mais do que o verdadeiro parlamento pode esgotá-los em duas ou mais sessões ordinárias e extraordinárias juntas, porque no circuito dos blogues reina o informalismo e o directo ao assunto, mas tudo à volta dos temas que se julgam tocar mais directamente à vida quotidiana não só dos seus frequentadores, mas também, e sobretudo, da maioria do povo desfavorecido e sem voz. Às vezes, com temas sensíveis para a manutenção da ordem do Estado ou do poder político e da governação do dia. Sempre, e geralmente como característica, na presunção de que estão em discussão aqueles problemas que os legítimos representantes do povo no parlamento, por exemplo, não os tratam, não obstante serem assuntos mais candentes e imediatos da vida. Neste fórum, portanto, na blogosfera, de modo geral, os seus membros não estão rigorosamente identificados, sobretudo quanto a autorias e emissores das informações que nele veiculam. E é ponto acente de que na blogosfera reina a emoção, a solidariedade e, acima de tudo, o desabafo total de alguém que se acha indevidamente representado lá onde se tomam as principais decisões sobre a vida da sua comunidade ou do país. E deixa-se muita massa gasosa no ambiente, em jeito de provocação informativa, incluindo autênticas ratoeiras para a comunicação social, geralmente a distraída, que a pega como matéria noticiosa, não obstante carecer de fontes e credibilidade ético-comunicacional. Aliás, até nem é sempre uma desvantagem ultimamente o “quarto poder” recorrer ao “quinto poder” nos dias que correm, sobretudo nos espaços onde a liberdade de expressão e de Imprensa é ainda uma miragem ou é de difícil exercício. O avanço que as tecnologias de informação e de comunicação deram é nos possível nos dias que correm acedermos, voluntária ou involuntariamente, consciente ou inconscientemente a vários conteúdos informativos, muitas vezes de natureza propagandística, publicitária e de calúnia ou difamação. Algumas tocam directamente a vida dos utentes dos sistemas de informação e comunicação, os seus grupos sociais, as suas instituições ou empresas, comunidades, vidas privadas e públicas, e por aí fora. Outras nem por aí.

Recuando para o dia 5 de Fevereiro de 2008, face aos acontecimentos das cidades de Maputo e da Matola, referentes à crise de transporte urbano, facilmente podemos sustentar o quão é poderosa a blogosfera hoje, na totalidade da sua componente tecnológica de informação e de comunicação (TIC). No dia 4 de Fevereiro de 2008, os computadores conectados à internet, provavelmente, e o Short Message Service, o vulgo SMS (serviço de mensagens curtas) dos telemóveis foram capazes de provocar um vendaval público nestas duas cidades. Choveram mensagens por telemóveis, telefonou-se do fixo, foram reenviadas milhares e milhares de mensagens, apelando para um total boicote aos meios de transporte semicolectivo e estes a não se fazerem á rua sob o risco de sofrerem consequências inimagináveis, apelos para ninguém ir ao posto de trabalho no dia 5, etc., etc.. E deu no que deu, como todos soubemos e assistimos.

A mensagem do informal triunfou e, sobretudo, encontrou um terreno fértil, chamado Moçambique, incontrolado, ainda sonâmbulo no cômputo geral, em termos de legislação e de crimes cibernéticos. Foi a força da blogosfera, esse novo parlamento onde os frequentadores desconhecidos ou conhecidos entre si distribuem e discutem assuntos que acham mais importantes da sociedade, mas esquecidos pelos “media” e pelos detentores dos poderes. Este é apenas um exemplo do fenómeno da blogosfera. Podíamos também recordar a força que teve o telemóvel em 2006, aquando da passagem do sismo, cujo epicentro se localizou em Machaze, província de Manica. Em menos de 1 minuto o país e o mundo já sabiam do que tinha acontecido. Podíamos também recuar até aos recentes tristes episódios do mundo artístico do nosso país, desde as cenas pornográficas que circularam na blogosfera envolvendo artistas até considerados de craveira, as imagens sexuais adulteradas que invadiram os computadores e os telemóveis moçambicanos, e por aí fora.

Portanto, é facto para concluirmos que em Moçambique o fenómeno da blogosfera é também uma realidade e preocupante. É preocupante no sentido de que tudo está a acontecer à mercê de quem a frequenta, oficiosamente liberalizado ao expoente máximo da classificação. Mas nem com isso se pretende dizer que tudo o que circula nesse novo mundo comunicacional é imoral e inútil, pois, existem “blogs” (a verdadeira designação desses “sites” na versão inglesa) que são autênticas tábuas de salvação académico- intelectual e cultural para muitos que não têm capacidade económica para coleccionar publicações físicas ou adquirir conhecimentos partilhados a partir das ofertas de grupos intelectuais (e aqui voltaria ao exemplo do Dr. Carlos Serra, das blogspots Bantulândia, Macua, África, etc.).

A blogosfera está a ganhar terreno no campo comunicacional hodierno porque nesta as pessoas não têm vigilantes, portanto não sofrem censuras. Quando muito, são auto-censuras. É um espaço a que muitos líderes de países ou grupos económicos e políticos recorrem para espreitar o outro lado do discurso popular, dado que na blogosfera circulam desabafos que o próprio cidadão não consegue transmitir directamente a quem de direito ou ao seu legítimo representante político nos fóruns de tomada de decisão.

Tem o único objectivo de levantar um possível debate público que desague na resolução de problemas da sociedade em que se encontra inserido. O sistema de blogues é muito simples e barato, porque basta ter um computador ligado à rede da internet e angariar outros “conhecedores das matérias” com quem debater. Todavia, nem sempre é preciso angariar membros, pois eles surgem, mesmo que de forma inconsciente. Duvida-se é se tal “quinto poder” poderá mesmo triunfar em África, mais concretamente no nosso país, se partirmos do pressuposto de que mesmo lá no Ocidente a batalha não é assim tão fácil, porque muitas das coisas não passam de simples circulação de ideias de um para o outro, de forma desinteressada e informal, aliás, informal tal como é actualmente a própria blogosfera. Oficialmente, e num passo bastante avançado no uso da blogosfera, já estão a funcionar os Yo-tube, quer por porta-vozes oficiais quer por chefes de estado ou responsáveis religiosos na emissão das suas mensagens consideradas importantes, porque estes são mais sofisticado, em que ao mesmo tempo combinam a voz e a imagem e com o emissor identificado. É mais um meio de comunicação de massas.

Mas a ideia da criação do tal poder substituto dos actuais “media” e a febre de preocupação não é assim tão recente como pode parecer, pois, em 2003, o director do jornal francês, “Le Monde Diplomatique”, Ignacio Ramonet, propôs a criação de um “quinto poder”, alegando haver um acentuado descrédito do actual “quarto poder”, visto como corrompido pelos poderes instituídos. Na visão de Ramonet, os actuais meios de comunicação social (MCS), os clássicos, são um instrumento de acção dos demais poderes, sobretudo o económico. O Director do “Le Monde Diplomatique” propunha ainda a criação de um observatório internacional dos “media”, isto é, uma “Global Media Watch”, de modo a tornar a comunicação e a informação pertencentes a todos os cidadãos. Mas esta visão, tal como recorda o luso Vital Moreira, e muito bem, já era efectiva antes da criação dos blogues, e não obstante fazendo-se sentir, às vezes, inconscientemente.

É o debate que já se lançou no mundo e, se calhar, também em Moçambique. Daí a pergunta vácua: Teremos no futuro um “Quinto Poder”? )
JAFAR BUANA - Jornalista (colaboração)

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