EX-MINISTRO dos Transportes e Comunicações, António Munguambe, admitiu ontem ter recebido 33 mil dólares americanos da empresa Aeroportos de Moçambique (ADM), valor que se destinaria ao pagamento de propinas dos seus filhos a cursarem na vizinha África do Sul. Munguambe disse ter recebido o valor da bolsa de estudo, em duas prestações, como fruto de um atendimento ao pedido formulado nesse sentido pela sua esposa àquela empresa.
“Como qualquer encarregado de educação, o valor foi solicitado pela minha esposa para pagar bolsas de estudo dos meus filhos. Não foi algo estranho porque foi formulado o respectivo pedido e que teve a anuência do ADM. Nada foi feito com base em tráfico de influências” – explicou o ex-ministro.
Acrescentou que, quanto ao carro de marca Audi, que também recebeu das mãos do ex-PCA do ADM, Diodino Cambaza, António Munguambe disse que lhe foi entregue para com ele se movimentar e que foi por via de empréstimo. Contudo, ao que apontou, procedeu à devolução da viatura ainda o ano passado, embora tivesse a prerrogativa de a comprar.
“Devolvi a viatura ao ADM que a tinha recebido em forma de empréstimo. No que diz respeito a casa da África do Sul, que também vem sendo falada na imprensa, devo esclarecer que tenho este imóvel muito antes de ter sido nomeado ministro. Tanto mais que o assunto não faz parte da pronúncia” – disse.
Da acusação lida ontem pelo juiz da causa, Dimas Marrôa, e no que diz respeito aos dinheiros daquela empresa, consta que o ex-ministro recebeu o valor na sua conta em tranches de oito e 25 mil dólares, respectivamente. Quem efectuou as transferências foi Antenor Pereira, ex-director financeiro da ADM, por ordens do ex-PCA, Diodino Cambaza.
Para o tribunal, Munguambe tem como atenuantes o facto de não ter antecedentes judiciais conhecidos, bem como pelo facto de ter devolvido o carro, assim que começou a ser ouvido. Contudo, agrava a sua situação o facto de ter recebido o referido montante, mesmo sabendo que os seus filhos não eram elegíveis para este benefício.
Para a pronúncia do tribunal, o ex-PCA Cambaza agrava a sua situação por ter alterado, o valor do rancho mensal para a sua casa sem anuência dos seus superiores ou dos restantes colegas do CA. Ele tinha direito a gastar 30 mil meticais em comida e 10 mil em bebidas, mas, mudou tudo e passou a gastar quase o dobro deste valor.
Para as casas de mobílias por ele solicitadas a apetrechar as suas residências, a pronúncia refere que Cambaza desembolsou, a partir dos cofres da empresa, mais de dois milhões de meticais. Ainda dos cofres do ADM, ele é apontado como tendo retirado cinco milhões de meticais supostamente para custear despesas na Escola do Partido Frelimo na Matola, e outros 400 mil desembolsados para a mesma entidade, mas para apoiar a reabilitação de um pavilhão e a realização de um determinado evento no bairro de Zixaxa. Terá autorizado ainda a retirada da empresa de 62 mil dólares para a compra de uma casa a fim de oferecê-la a um jardineiro de sua confiança.
O juiz manteve a situação prisional dos réus e salientou que António Munguambe e António Bulande, únicos réus não presos, não podem se ausentar da cidade sem a devida autorização judicial. Da pronúncia, consta que todos os réus agiram livre e deliberadamente com o intuito de se apoderar dos bens da empresa.
Diodino CambazaREGRAS DE JOGO
Maputo, Terça-Feira, 17 de Novembro de 2009:: Notícias
Antes do início do julgamento, o juiz Dimas Marrôa traçou algumas regras de jogo, tendo recomendado aos advogados que a descoberta da verdade material tem que ser produzida dentro da lei, e não agindo somente para cumprir papéis ou fingir que estão a demonstrar trabalho aos seus clientes. Para ele, quanto mais os advogados evitarem a devagar em assuntos que nada têm a ver com a matéria em julgamento, melhor será para o bem do julgamento que deixará de se arrastar por muito mais tempo.
Aliás, o advogado de Diodino Cambaza, Vasconcelos Porto, embora tivesse sido advertido, devagou em assuntos que consumiram praticamente toda a manhã de ontem, apresentando cinco requerimentos que prontamente foram chumbados pelo juiz. Um dos requerimentos tinha a ver com a não audição de Hermenegildo Mavale, pessoa que em tempo fez parte do Conselho de Administração e que, ao que tudo consta, foi um dos quatro denunciantes do desfalque. O juiz negou o pedido de Porto e manteve a ida dele ao tribunal, fazendo recordar que muita coisa que veio a superfície foi graças ao contributo do indivíduo que agora o representante de Cambaza teme pela sua presença em tribunal.
Vasconcelos Porto ainda tentou atacar a Imprensa sobre a notícia que já vinha sendo veiculada sobre o local do julgamento. Questionou como é que a Imprensa (Notícias foi o primeiro órgão que avançou com o local do julgamento) teve o acesso à referida informação quando ele ainda não a tinha.
O juiz respondeu dizendo que os jornalistas são livres de fazer o seu papel, têm as suas fontes e à medida da sua agressividade, realizam o seu papel de informar ao público. Aliás, o juiz reconheceu ser muito difícil trabalhar com este advogado, pois, por várias vezes, “queima” tempo das sessões, interrompendo, sistematicamente, e sem motivo aparente, ao juiz da causa.
Marrôa não gostou de ter sido, mais uma vez, interrompido, acabando por orientar ao advogado para que ditasse pessoalmente para a acta os seus requerimentos. Ontem, ficou provado isso, quando cerca das 9.30, altura em que iniciou a sessão, até pouco depois das 11 horas o juiz apenas estava a atender ao advogado Vasconcelos Porto, e só depois disso é que foi lida a acusação do MP e o despacho de pronúncia do juiz.
MEMBROS DO CA SOB INVESTIGAÇÃO
O juiz Dimas Marrôa ordenou a extracção de cópias da parte final do despacho de pronúncia, com vista a se dar seguimento às investigações aos restantes membros do antigo Conselho de Administração do ADM. Os mesmos são, também, suspeitos de desvio de fundos e bens do Estado.
A extracção de cópias visa dar o devido seguimento criminal por parte do Ministério Público, que já está a trabalhar no assunto.
Por outro lado, o MP fez saber que não tem nenhuma testemunha para este processo, mostrando-se satisfeito com os factos encontrados e constantes dos autos. Ao todo, segundo o seu representante, foram ouvidas mais de 20 pessoas, na sua maioria funcionários do ADM, que forneceram informações que grandemente deram origem ao processo.