JÁ tinha avisado que começar é difícil. Estou na quarta letra do alfabeto e ainda não estou no assunto. Continuo nos preliminares. Vou entrar verdadeiramente no assunto quando começar a fazer incursões por alguns autores que fizeram observações interessantes sobre a relação das palavras com o social. Enquanto não chega esse momento, vou preparando o leitor para saber lidar com a imaginação fértil de um sociólogo. Essa imaginação consiste em pegar numa coisa e deixar-se levar pelas suas propriedades para ver até onde chegamos. Muitas vezes ficamos parados no mesmo lugar, mas pensamos que estamos a progredir. Só quando chegamos onde não fomos é que nos damos conta de que estivemos todo o tempo no mesmo lugar.
Forcei a metáfora para introduzir a palavra “dirigente”. É quem dirige, como é evidente. E quem dirige leva outras pessoas para um sítio. A palavra dirigente implica rumo, destino e, naturalmente, seguidores. Implica uma distribuição clara de papéis. Há os que conhecem o caminho, sabem como ultrapassar obstáculos e têm a coragem de conduzir outros. Há os que talvez conheçam o caminho, mas não sabem como ultrapassar obstáculos; há os que sabem como ultrapassar obstáculos, mas não conhecem o caminho; há os que não sabem nem uma, nem outra coisa, mas têm coragem de conduzir outros. O nosso país tem muitos destes últimos. São dirigentes. É mais um verbete que teve os seus tempos áureos. Já não faz tanta parte da nossa dicção política quanto o foi no período imediatamente a seguir à independência, mas, tal e qual a noção de “conquista”, o dirigente continua presente na nossa cultura política.
É uma concepção carismática ou tradicional de autoridade. A comunidade política define-se pelas qualidades extraordinárias, ou tradicionais, de certos indivíduos que reclamam ascendente sobre outros – a maioria – na base dessas qualidades ou na base da preservação de usos e costumes. É evidente que uma comunidade política estruturada nestas moldes não tem nenhuma pachorra para definir o moçambicano como cidadão. O moçambicano é um seguidor. Não é um indivíduo com direitos, direitos esses cuja garantia justificam a autoridade de quem tem poder. Nada disso. O moçambicano, nesta concepção de autoridade, é alguém que tem a obrigação de seguir. É por isso que, nos tempos que já lá vão, os Marcelino dos Santos, Jorge Rebelo, Joaquim Chissano, Mariano Matsinhe, Armando Guebuza e, claro, Samora Machel iam dar “orientações” ao povo. Eles conheciam o caminho (diziam); eles sabiam como ultrapassar obstáculos (asseveravam) e, enfim, eles tinham a coragem de nos conduzir (provaram). Para onde, é outro assunto.
É por isso que quem manda nos nossos partidos é o chefe. E manda mesmo. Ou melhor, para ser chefe tem que saber mandar. Se não sabe mandar, isto é, se quer consultar outros, ouvir a sua opinião, mudar de ideias por achar que houve argumentos interessantes de outros cantos, etc., então, não é dirigente. É Mariazinha. A palavra dirigente, conforme já anunciei solenemente mais acima, já não é usada entre nós, pelo menos não tanto quanto no passado. Mas o vocabulário do qual ela era parte integrante continua bem enraizado nas nossas mentes. O dirigente dirige, isto é, põe e dispõe. E, aí, até nem a legalidade é suficiente para o travar. A legalidade é um expediente que serve quando está em sintonia com o acto de dirigir; quando não está, bom, o azar é todo ele de quem achar que um país deve ser governado na base do respeito pelas leis.
Antes que alguém comece a pensar que estou a comentar o nosso sistema político, apresso-me a dizer que não. Estou a comentar criticamente a nossa cultura política. O que estou a dizer em relação à cultura subjacente à palavra “dirigente” não se restringe ao tipo de atitude que os nossos governantes por vezes revelam. Abarca também cada um de nós, da nação ao nível mais baixo da nossa hierarquia estatal. Estar no topo da hierarquia significa ser dirigente; e ser dirigente significa, infelizmente, supor que todos os outros precisam da nossa mão, e da nossa cana, para chegarem lá. E esse lá onde eles querem chegar não são eles a definir. São os dirigentes. E depois ficam admirados quando não queremos marchar atrás deles.
Maputo, Sábado, 2 de Agosto de 2008:: Notícias
Elísio Macamo - Sociólogo/Nosso colaborador
Forcei a metáfora para introduzir a palavra “dirigente”. É quem dirige, como é evidente. E quem dirige leva outras pessoas para um sítio. A palavra dirigente implica rumo, destino e, naturalmente, seguidores. Implica uma distribuição clara de papéis. Há os que conhecem o caminho, sabem como ultrapassar obstáculos e têm a coragem de conduzir outros. Há os que talvez conheçam o caminho, mas não sabem como ultrapassar obstáculos; há os que sabem como ultrapassar obstáculos, mas não conhecem o caminho; há os que não sabem nem uma, nem outra coisa, mas têm coragem de conduzir outros. O nosso país tem muitos destes últimos. São dirigentes. É mais um verbete que teve os seus tempos áureos. Já não faz tanta parte da nossa dicção política quanto o foi no período imediatamente a seguir à independência, mas, tal e qual a noção de “conquista”, o dirigente continua presente na nossa cultura política.
É uma concepção carismática ou tradicional de autoridade. A comunidade política define-se pelas qualidades extraordinárias, ou tradicionais, de certos indivíduos que reclamam ascendente sobre outros – a maioria – na base dessas qualidades ou na base da preservação de usos e costumes. É evidente que uma comunidade política estruturada nestas moldes não tem nenhuma pachorra para definir o moçambicano como cidadão. O moçambicano é um seguidor. Não é um indivíduo com direitos, direitos esses cuja garantia justificam a autoridade de quem tem poder. Nada disso. O moçambicano, nesta concepção de autoridade, é alguém que tem a obrigação de seguir. É por isso que, nos tempos que já lá vão, os Marcelino dos Santos, Jorge Rebelo, Joaquim Chissano, Mariano Matsinhe, Armando Guebuza e, claro, Samora Machel iam dar “orientações” ao povo. Eles conheciam o caminho (diziam); eles sabiam como ultrapassar obstáculos (asseveravam) e, enfim, eles tinham a coragem de nos conduzir (provaram). Para onde, é outro assunto.
É por isso que quem manda nos nossos partidos é o chefe. E manda mesmo. Ou melhor, para ser chefe tem que saber mandar. Se não sabe mandar, isto é, se quer consultar outros, ouvir a sua opinião, mudar de ideias por achar que houve argumentos interessantes de outros cantos, etc., então, não é dirigente. É Mariazinha. A palavra dirigente, conforme já anunciei solenemente mais acima, já não é usada entre nós, pelo menos não tanto quanto no passado. Mas o vocabulário do qual ela era parte integrante continua bem enraizado nas nossas mentes. O dirigente dirige, isto é, põe e dispõe. E, aí, até nem a legalidade é suficiente para o travar. A legalidade é um expediente que serve quando está em sintonia com o acto de dirigir; quando não está, bom, o azar é todo ele de quem achar que um país deve ser governado na base do respeito pelas leis.
Antes que alguém comece a pensar que estou a comentar o nosso sistema político, apresso-me a dizer que não. Estou a comentar criticamente a nossa cultura política. O que estou a dizer em relação à cultura subjacente à palavra “dirigente” não se restringe ao tipo de atitude que os nossos governantes por vezes revelam. Abarca também cada um de nós, da nação ao nível mais baixo da nossa hierarquia estatal. Estar no topo da hierarquia significa ser dirigente; e ser dirigente significa, infelizmente, supor que todos os outros precisam da nossa mão, e da nossa cana, para chegarem lá. E esse lá onde eles querem chegar não são eles a definir. São os dirigentes. E depois ficam admirados quando não queremos marchar atrás deles.
Maputo, Sábado, 2 de Agosto de 2008:: Notícias
Elísio Macamo - Sociólogo/Nosso colaborador