Thursday, January 22, 2009

Notas sobre as autárquicas

ESPINHOS DA MICAIA

Escrito por Fernando Lima

Não é possível, 24 horas depois do voto em 43 autarquias moçambicanas, ser-se peremptório sobre tudo o que aconteceu no filme do dia 19 de Novembro. Mas é incontornável que as eleições foram o acontecimento mais marcante da semana.
E por isso as minhas notas, mesmo que elas não tenham todos os detalhes e ingredientes supostos de fazer uma boa crónica.

E, ao contrário do que acontece habitualmente, os holofotes das autárquicas não estiveram virados para a capital, mas para a Beira, a segunda maior urbe moçambicana.
Daviz Simango, contra ventos e marés, alvo das acusações mais incríveis, alvo da máquina partidário-estatal que contra si montou a Frelimo em aliança contra natura com a Renamo, o candidato independente selou uma vitória que ultrapassa a perícia própria de cada candidato que ao pleito se apresentou.

Num sistema político em que o importante são os partidos e as listas que os partidos apresentam, Daviz passou o primeiro teste de um “candidato apartidário” no sistema implantado após a Constituição multipartidária de 1990.
Para além de outros símbolos que certamente começarão a emergir após a consolidação do seu triunfo, a opção beirense mostra que é possível fazer-se política em Moçambique sem se ter necessariamente vinculação partidária. O que torna inexorável a colocação da “questão assassina” sobre a autarquia capital. Se Comiche ousasse, e esteve sempre fora de questão essa premissa, outro galo cantaria em Maputo.

A votação na Beira foi notável e era esperada. Mas o país, no seu todo, mostrou uma assinalável vitalidade ao arrastar para as mesas de voto, provavelmente, metade do eleitorado potencial. É cedo para se estabeleceram vaticínios e é particularmente apressado dar os louros aos organismos técnicos que organizaram as eleições. Investigações mais aturadas certamente ligarão a proximidade da votação com o registo, a limpeza dos cadernos de recenseamento anteriores, a empatia com movimentos eleitorais importantes como foi o Zimbabwe, a Zâmbia, Angola e porque não, o próprio fenómeno Obama, embora seja difícil reconhecer a visibilidade do senador de Chicago em Alto Mulócuè e no Chibuto. Os organizadores das eleições podem também falar a seu favor do baixo percentual de votos nulos e brancos, uma prova de que quem votou sabia o que estava a fazer. Menos simpático terá sido o treino dos sazonais para as mesas de voto. Locais que teoricamente estavam preparados para lidar com mil eleitores, tiveram de prolongar as suas sessões quase até à meia noite para contabilizar uma média de 400 boletins de voto.

Quem está definitivamente a lamber as feridas é Afonso Dhlakama, pese a sua postura auto-assumida de corredor de fundo, à semelhança de Lula da Silva e Abdulaye Wade.
As derrotas próximas que se anunciam em Marromeu, Angoche, Nacala, Ilha, Gondola e Mocímboa da Praia são claramente decorrentes de um movimento que, mesmo com a reconhecida falta de meios, poderia ter feito muito mais para apoiar os seus candidatos. O clamoroso caso da Beira, a verdadeira birra com Daviz Simango, foram apenas o desastre anunciado que a ninguém surpreende. Está ao seu alcance repetir o naufrágio nas eleições gerais do próximo ano.

Nos meios oficiais, nos próximos dias, haverá anúncio de retumbante vitória. É verdade. Um engenheiro de linhagem no Chiveve foi o único que contrariou o sonho hegemónico.

Mesmo assim, há muitas outras estórias para contar na história de cidadania que os moçambicanos vão fazendo todos os dias.
O 19 de Novembro foi mais um patamar.